Autor

António Paulo Santos

 

Data

25 de Agosto de 1977

 

Secção

Mistério... Policiário [128]

 

Competição

Torneio “Tertúlia Policiária do Palladium"

Problema nº 3

 

Publicação

Mundo de Aventuras [204]

 

 

O POEMA VOADOR!…

António Paulo Santos

 

– Não!... De modo nenhum. Encaro a poesia como a alegoria eterna… o antagonismo espiritual, puro de afecção! – ripostou Rodrigo a uma questão posta pelo enviado do «Néctar», selecta literária.

Uma pausa e os pensamentos desvaneceram-se. Dalila abeirara-se do sobrinho e, conscienciosa, cumprimentou o jornalista. Um sorriso, um «Boa-tarde», outro cumprimento e a velhota retirou-se, subindo as íngremes escadas que davam acesso ao 2.° piso da mansão.

Bonacheirão, o jornalista cheirou os dedos e a mão.

– Hum!... Que delícia!... Ter uma tia assim… Este creme de manteiga deve ser soberbo.

 

Fustigadas pelo vento, as gotículas da chuva esvaíam-se com violência de encontro às vidraças do salão, produzindo ortodoxalmente uma leve melodia.

No jardim, o Chorão vincado pela idade, de densa cabeleira de ramos, gesticulava lamuriosamente: a assembleia dos deuses parecia ter aprovado o dilúvio celestial…

O jornalista retirara-se havia algum tempo. Rodrigo subiu as escadas, mãos nos bolsos, pensamentos flutuantes… Aqueles momentos de nostalgia passava-os no conforto da biblioteca… Era uma sala espaçosa, de paredes percorridas por estantes repletas de obras valiosas, no tecto um lustre bojudo, simulacro de relampejos…

Aproximou-se da lareira… As chamas haviam emprestado aos móveis os seus tons vermelho-rubro. Ao dobrar-se para revolver a lenha, Rodrigo ficou surpreso ao notar que sob o mármore que circundava a base inferior da lareira se depositava uma folha daquelas onde usualmente rabiscava as suas divagações poéticas… A folha estava quente e ressequida, devido ao intenso calor irradiado da lenha em combustão. Sorriu ao aperceber-se que aquele era o poema que dedicara à sua prima Susana e que guardara cuidadosamente numa das gavetas da escrivaninha. Ergueu-a e observou-a à luz do candeeiro, num dos bordos e bem visíveis transpareciam três manchas brilhantes, «fugindo» para o translúcido, seguidas de uma outra menos nítida… Dedadas, concluiu.

Entre duas estantes, no relógio de pé alto soou as 17 horas. Recostou-se ao sofá e, pensativo, tentou solucionar o caso do «Poema voador», como ironicamente apelidara…

Logo após o almoço ficara no salão, de onde subiam as únicas escadas para a biblioteca ou, mais propriamente, ao 2.° piso da vivenda. Não se recordava ao certo de quem e quantas vezes havia subido as escadas… Entusiasmara-se com a entrevista e no seu cérebro apenas pululavam palavras e ideias abstractas… A tia, essa sim, vira-a, mas em casa ainda estavam a sua prima Susana e a namorada Josefa. Ao almoço, numa conversa franca e divertida, dissera-lhes que dedicara a uma delas um poema, mas que era tudo surpresa!... Quem é que lhe poderia ter pregado aquela partida, se de partida realmente se tratava? Contudo, o que mais o intrigava era o porquê da folha estar perigosamente próxima da lareira; provocante, exaltando os dons especulativos de quem a descobrisse…

 

Com um sorriso nos lábios, Rodrigo pediu um curto depoimento a cada uma das suas suspeitas.

Dalila – Pouco faltava para as 4,30 fui lá acima, à despensa, buscar aquela manteiga amarelinha, caseira, que me faltou para retocar o creme de manteiga, do bolo que estava a preparar na cozinha. Viste-me, pois fui cumprimentar aquele rapaz simpático…

Josefa – Eram 4 horas fui fazer a limpeza da biblioteca. Aspirei-a, aticei o fogo da lareira e dei aguarrás no soalho, para que a mulher-a-dias amanhã o possa encerar. Sabias que a tua prima derramou petróleo sobre a tua secretária?...

Susana – Desculpa-me, mas apoiei a minha tela e material sobre a tua escrivaninha, pois bem sabes que é dali que se tem o melhor ângulo do Chorão… Esbarrei no frasco dos pincéis e o petróleo entornou-se… Estive lá aproximadamente aos 10 para as 4…

Rodrigo acendeu um cigarro. Fixou o olhar sobre a «misteriosa» folha de papel e as provocantes dedadas… Bastava verificar as dos bilhetes de identidade para descobrir a culpada. Mas isso não tinha piada!... Qualquer delas poderia ter feito aquilo: Josefa com o aguarrás, Susana com o petróleo, e Dalila com a gordura da manteiga. Hum!... De súbito um relâmpago rasgou a escuridão prematura e com ele pareceu chegar a solução… Não fora preciso mais nada. Com as únicas permissas sugestivas que obtivera das suas ilacções descobrira a culpada. Faltava uma «peça», mas descobriu-a… Sabem porque é que o poema estava perto da lareira?... Uma lufada de vento bateu a porta e a «intrusa», julgando a aproximação de alguém, fugiu esbaforida, deixando no «ar» a folha de «O poema voador»

 

1 – Baseando-se unicamente no texto, indique quem julga ter sido a culpada?

2 – Explique como chegou a tal conclusão?

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO