Autor

Sete de Espadas

 

Data

30 de Setembro de 2021

 

Secção

Policiário [91]

 

Publicação

Sábado [909]

 

 

Solução de:

ELEMENTAR, MEU CARO WATSON…

António Raposo

Solução apresentada por Mandrake

Dum caso que a António Raposo pareceu absolutamente ‘elementar’, vou mostrar que não o é tanto…

Quer-se, porque nele se fala uma única vez, fazer-se crer que quem ‘tinha interesse’ na morte e no roubo era o sobrinho – porventura irmão ou primo da ‘terra decotada, dos cravos artificiais’. Vai-se alegar para isso, estão mesmo a ver, o ‘deserdanço’ do sobrinho em face da ‘totalidade testamentária’ que beneficia a sobrinha… Esquece-se, com certeza, os ‘25 anos de bons serviços do sr. Isidoro, pressuroso e mesureiro, descobridor do corpo e chamador da polícia’ – que, no fim daqueles 25 anos, está-se mesmo a ver que esperaria melhor sorte e melhor contemplação no testamento. E afinal, a única coisa que ele ‘contemplou’ foram aquelas folhas de papel selado, manuscritas ou datilografadas, com a ausência total do seu nome…

E aqui é que o sr. Ideias, possivelmente desprezado por António Raposo e pela maioria dos colegas, teve o seu desarrincanço genial, com ideias que todos pensam dispensar, nanja eu. Pois que o sr. Ideias pensou, e pensou muito bem, que isto de ter ideias não custa, o que custa é saber, de uma cajadada, matar três coelhos… E foi exatamente o que ele fez. Melhor, ‘matou quatro’…

Depois de ler o testamento e do conhecimento que tinha, no momento, daqueles ‘chorudos contos’ no cofre, de braço dado com os papéis de crédito, jurou aos seus demónios – e somente os maus espíritos nos levam a atos inesperados e absolutamente condenáveis – que nem a ‘sécia decotada’, nem o ‘peralta afidalgado’ se ririam e muito menos o velho Espinhosel, que de espinhos já lhe tinha enchido a vida durante aqueles 25 anos e que de tudo se esquecera. Não! Os seus 25 anos de serviços fiéis, teriam outra recompensa… E o sr. Ideias, quando se lhe metia alguma ideia na cabeça era assim mesmo… E vai daí, esquece-se que ‘o crime não compensa’ e desde logo se enfronha no ‘crime a quatro dimensões’…

– Rouba os ‘150 dele’ e mais os papéis, e mata, antes ou depois (mais parece antes, devido à posição e ‘sossego’ da vitima…) o seu amo. Mas as suas ideias fervilham e o caso não fica por aqui… Rouba o testamento – e lá vai ficar em maus lençóis o ‘peralvilho estroina e com a mania das grandezas’, porque, só ele nisso tinha interesses para que a fortuna fosse a sobrinhos… Mas a sécia decotada também vai sofrer. Não vá julgar que a vida é composta somente por chás e canastas… Uma pétala do cravo também ali vai ficar, simplesmente, não era cheirosa e a encrenca não resultou como desejava.

Mas para a fazer passar um mau bocado já chega até porque ela estava a precisar de dinheiro. Ninguém o sabia, mas ele sabia bem que ela devia… Ao jogo nem sempre se ganha… Mas a caixa não ficaria assim. Abre a janela e pane o vidro, ‘todo para dentro’, e no seu andar característico, ele lá vai parque fora a caminho do muro, simulando um ladrão de fora que tinha entrado em casa de ‘autogiro’…

Enfim, põe o produto do roubo a bom recato e quando lhe parece descobre o corpo. ‘Sabe logo que está morto’, embora o veja à distância, não deixa entrar ninguém e fecha a porta.

– Bem feito, sr. Ideias! Isso é de mestre!

Anos mais tarde confessou o crime, e aquele tremendo erro judiciário foi então reparado. ‘O crime não compensa’ e dele não advêm horas de sossego. E ninguém quis acreditar, no decorrer do julgamento nem no momento da leitura da sentença que o condenou a 18 anos de prisão maior celular, no grito de ‘Estou inocente!’, repetido com fremência pelo sobrinho do sr. Espinhosel

Afinal, o tempo e o criminoso vieram provar-nos que ele tinha razão. E mais uma vez, não só ‘o crime não compensa’, como as ‘aparências iludiram’…

© DANIEL FALCÃO