Autor

Aoj Miuq

 

Data

4 de Julho de 1999

 

Secção

Policiário [416]

 

Publicação

Público

 

 

CHUVA, DINHEIRO E MORTE

Aoj Miuq

 

Quinta-feira 5 de Outubro – feriado

 

7 horas da manhã – Tudo é silêncio na casa do sr. Alberto Magalhães. O céu cor de chumbo ameaça chuva, mas, apesar da época, não faz frio.

8h00 – Sai de casa um sobrinho do sr. Magalhães, Carlos, que de espingarda em bandoleira e demais apetrechos de caça, se dirige à estrada próxima. Pouco depois as janelas do rés do chão abrem-se e começam a ouvir-se os ruídos característicos da cozinha.

9h10 – A porta volta a abrir-se e é o próprio A. Magalhães que, de pequena pasta na mão, se dirige para a garagem, de onde sai conduzindo o seu Fiat. Fecha as portas e pouco depois desaparece numa curva da estrada.

9h30 – A senhora Magalhães, acompanhada pelo seu outro sobrinho, o Miguel, sai também de casa, regressando meia hora depois sozinha.

10h40 – A água que o céu vinha ameaçando deitar cá para baixo, começa a cair; primeiro miudinha, a seguir com mais intensidade e por fim torrencialmente.

12h30 – Verifica-se o regresso de Miguel. Acabara de chover há cerca de 15 minutos. Depois de lavar as mãos, entra na sala de jantar onde a tia acaba de pôr a mesa. Durante o almoço, apenas são trocadas frases banais.

13h30 – Miguel levanta-se da mesa e sai, dizendo que vai tomar uma bica.

16h00 – A senhora Magalhães volta a sair e dirige-se a casa de uma vizinha.

16h30 – Com a roupa toda encharcada, chega o Carlos. Entra na cozinha e deposita numa mesa, um coelho que traz dentro da saca de caça. Sobe ao seu quarto.

17h30 – O Carlos desce do quarto, de roupa mudada, e dirige-se à cozinha, onde a senhora Magalhães, que já regressara, esfola o coelho para ser comido ao jantar. Carlos pergunta pelo tio, ao que a senhora Magalhães responde não saber se regressa nesse dia ou não. Ele apenas informara que se ia encontrar com um retornado.

18h30 – Entra em casa o Miguel, que sobe ao seu quarto.

19h15 – O Miguel desce do seu quarto, envergando um sobretudo e diz à tia que não janta. Vai comer com a namorada. Carlos tem um esgar, mas não diz nada.

22h00 – Na casa do sr. Magalhães as luzes encontram-se todas apagadas. Tudo é silêncio.

24h00 – Uma figura encapotada dirige-se devagar para a casa em silêncio. Abre a porte e entra. Uma luz que se acende e se apaga, uma outra numa janela e 10 minutos após tudo é escuridão e silêncio novamente.

 

Sexta-feira, 6 de Outubro

 

7 horas da manhã – Um soldado da GNR e um homem de cajado na mão dirigem-se a casa do sr. Magalhães e anunciam à esposa que o marido fora encontrado morto, numas moitas a cerca de 4 quilómetros da vila e a 500 metros da estrada.

As primeiras investigações feitas revelaram que:

1º – O cadáver fora encontrado por um pastor que se dirigia ao redil para levar o gado ao pasto. Fora de imediato à vila avisar a GNR, tendo gasto no trajecto 40 minutos.

2º – O morto apresentava um ferimento no pescoço, com os bordos arroxados e sem vestígios de sangue, que também se não via no chão.

Um outro buraco se adivinhava por baixo da camisa branca, onde uma mancha acastanhada indicava que também por aí saíra sangue. Junto aos pés, uma pistola Beretta de 9mm e, ao lado, duas cápsulas deflagradas faziam prever qual fora a causa da morte do sr. Magalhães.

3º – As roupas estavam encharcadas e num bolso das calças fora encontrado um pequeno coldre com uma pistola Star 6,35. Ao cair – ferido de morte, o sr. Magalhães batera com o pulso numa pedra, tendo o seu relógio Longines parado, devido ao choque, às 10 horas. Da pequena pasta de mão, nem vestígios.

4º – No carro, que se encontrava a uns 200 metros do cadáver, também nada se encontrou.

Investigações mais vastas forneceram-nos mais estes pormenores:

a) Que o sr. Magalhães tinha alguns negócios não totalmente claros. Falava-se de “pedrinhas” (diamantes) e outros negócios idênticos, com retornados das ex-colónias. Que na quarta-feira, dia 4, pelas 12h, recebera um telefonema e que, quando os sobrinhos chegaram, comunicou que tinha um negócio chorudo entre mãos. Nesse mesmo dia, levantara no banco 150.000$00, em notas de mil.

b) Que os dois irmãos não se falavam há cerca de um ano, quando o Miguel roubara a namorada ao irmão. Que ambos tinham bastantes dívidas, pois o tio não era um “mãos rotas”. Que o Carlos recorria com frequência a um conhecido agiota e que o Miguel perdera ao jogo 3500$00 e já lhe haviam ameaçado a integridade física por ainda não ter satisfeito a dívida.

c) Que a pistola Beretta havia sido oferecida ao sr. Magalhães por um retornado e que se encontrava, assim como um carregador com balas, numa caixa em cima do guarda-fatos, no quarto do casal.

d) Que o Miguel, nessa quinta-feira, feriado, cerca das 23h havia liquidado a dívida do jogo.

e) Que o agiota, credor do Carlos, disse apenas que este lhe devia bastante dinheiro, não tendo ainda procedido à sua liquidação, apesar de várias promessas.

f) Interrogado o Miguel sobre como arranjara o dinheiro para liquidação da sua dívida, contou que, ao entrar no seu quarto, às 18h30, encontrara sobre a sua cama a pequena pasta de seu tio e que ao abri-la, por curiosidade, encontrara lá 10.000$00. Como estava encravado com os 3500$00, depois de ter pensado um bom bocado, vestiu o sobre tudo e acabou por meter a pasta no bolso interior com o dinheiro. Fora jantar com a namorada, com quem estivera até cerca das 21h30. Saíra então para ir esconder a pasta fora da vila. Deambulou por ali bastante tempo, até que se resolveu ir escondê-la. Que neste período de tempo ninguém o viu com certeza. Seriam cerca de 23h quando entrou no café e como lá estava a pessoa a quem devia, procedeu à liquidação, entregando quatro notas de mil escudos, das dez que tirara da pasta, e recebera como troco, 500$00. Que nunca pensou que o tio fora assassinado, pois senão não teria mexido na pasta. Depois não falara no assunto com o medo de ser apontado como presumível assassino. Entregou a pasta do tio e a quantia de 6300$0.

g) Que a senhora Magalhães se deitara às 21h, tendo o sobrinho Carlos ficado na sala a ver televisão, não podendo afirmar se este saiu ou não depois daquela hora.

 

Encontrando-se no texto todos os elementos para poder resolver o problema, responda às seguintes perguntas:

1 – Quem foi o assassino?

2 – O assassino foi também o ladrão?

3 – Quais os elementos em que se baseou para chegar a essa conclusão?

4 – Sintetize em poucas palavras o que julga ter acontecido.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO