Autor Data 24 de Outubro de 1999 Secção Policiário [432] Competição Prova nº 9 Publicação Público |
OXALÁ A. Raposo Rashid viveu os últimos anos da sua vida no
clima temperado do Algarve, que lhe fazia lembrar a sua aldeia, no sopé das
montanhas do Rif. Manhãs soalheiras, noites
estreladas. Tivera uma vida agitada.
Negócios arriscados, mas rentáveis. Falava-se de drogas, diamantes e armas.
Por tudo passou, mas agora estava retirado. Vivia a reforma. Mas isso fora só
até ontem. Hoje, jazia morto e arrefecido, avermelhando de sangue o tapete
onde fazia as suas orações. A polícia não demorou muito
tempo a chegar à sua vivenda, em plena Vilamoura. Uma construção luxuosa,
afastada das outras e com todos os ingredientes para o “dolce
far niente”. Uma ampla
garagem na cave. Uma açoteia. Uma boa piscina, protegida pela vivenda, com os
seus dois pisos, do vento suão. Um jardim de minipalmeiras exóticas, algumas bananeiras preguiçosas
e relva. Muita relva em redor. Um muro baixo, de meio metro, pintado de
branco, delimitava a propriedade. Do lado norte, um chuveiro e mais atrás um
gralhador, para churrascos, de alvenaria, incorporado no muro da propriedade.
Rashid jazia, no seu tapete de orações, cabeça
virada para o gralhador, de borco, pernas a sobrar do tapete, a cerca de três
metros do bordo da piscina. Uma leve camisola de algodão que fora branca
estava pintalgada de sangue. Três balas tinham interrompido a reforma e as
orações de Rashid. O nosso muçulmano vivia com dois
sobrinhos, um mordomo e uma velha criada-cozinheira. Said, o mordomo, natural de Allahabad, já estava com aquele patrão há mais de um ano.
Dizia estar satisfeito. Segundo afirmou à polícia, o caso passou-se de forma
simples. Estava no salão que dá para a piscina, a meio da manhã, quando ouviu
dois tiros, seguidos por um terceiro, segundos depois. Olhou lá para fora e
viu o sr. Ismael a saltar o muro, junto ao
gralhador. Foi a correr ter com o patrão e, depois de se certificar que
estava baleado e não se mexia, voltou para casa e telefonou à polícia. Na sua
opinião, o sr. Ismael fora, sem dúvida, o
assassino, pois o patrão não recebera mais ninguém naquele dia. Porém, a opinião do sr. Ismael não coincidia com a de Said.
Ismael, israelita, gestor de investimentos, geria a carteira de acções de Rashid, com bons
resultados. Visitava regularmente o falecido e, quando vinha no Verão, ficava
sempre mais uns dias a gozar da praia. Ainda ia ficar mais uns dias no hotel
do aldeamento. Não estava nada de acordo com a versão contada por Said. Ele fora visitar Rashid,
mas na véspera. Até lá bebera um “whisky”. Ajustara uns novos investimentos e
saíra. Os sobrinhos de Rashid, não adiantaram muito ao caso. Levavam o dia
agarrados ao computador, a viajar na Internet. Tinham ouvido três tiros de
rajada, mas não ligaram muito, Não ligaram mesmo nada. Não lhes pareceu
importante. Não viram o sr. Ismael. Também não ligavam
a visitas. Da velha criada-cozinheira,
também nada se conseguiu saber. Era surda. Não ouviu nada. Já estava com o
patrão há vários anos, até tivera que aprender a cozinhar os pratos
marroquinos de que o patrão gostava. Mas não acreditava muito que o patrão
seguisse os preceitos todos lá dos mouros. O relatório da polícia veio
posteriormente a indicar que a morte fora instantânea, por ter sido atingido
o coração. As balas entraram pelas costas (o homem devia estar de joelhos, a
orar com a cabeça a roçar o chão, à moda dos muçulmanos) e tinham feito um
percurso ligeiramente oblíquo, tendo ficado alojadas, ligeiros centímetros
acima, no corpo, em relação ao local de penetração. Os dois copos encontrados
na mesa junto à piscina tinham as impressões digitais de Rashid,
Ismael e de Said. A história não batia certo.
Ismael não se dizia culpado. O mordomo não tinha dúvidas. Rashid
não podia dar a sua versão dos factos. Nem a prece a Alá lhe valeu. Said garantia que o patrão levava a religião a sério. Lá
em casa não entrava carne de porco. Rezava duas vezes ao dia e como aquele
era o mês de Ramadão só comia após o sol posto. Said era hindu, mas conhecia muito bem os hábitos
muçulmanos. Na sua terra natal muita gente seguia o Coroa. Para a polícia o caso
estava complicado. Será que os amigos poderão
ajudá-la a solucionar este caso? |
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© DANIEL FALCÃO |
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