Autor

A. Raposo & Lena

 

Data

6 de Abril de 2008

 

Secção

Policiário [872]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2007/2008

Prova nº 5

 

Publicação

Público

 

 

NELINHA – UMA ESTRELA NO CÉU!

A. Raposo & Lena

 

Esta é mais uma história escabrosa do conhecido detective Tempicos.

“Tenho vindo a sofrer muito, ultimamente.

Eu sei que as mulheres têm sido a minha perdição e a culpa é minha, pois continuo um pinga-amor. Está-me na massa do sangue e não há nada a fazer! Acabo sempre vítima dos meus desmandos.

Em 22 de Abril de 2007 veio publicado um caso dos confrades Búfalos Associados, no PÚBLICO-Policiário e, mais atrás, um outro contando a minha ida a Paris com a Nelinha em 1972.

Quando hoje penso no caso, já não sei se fui com ela ou com a sua irmã gémea.

Contava quem as conheceu bem que Nelinha teria tido uma irmã gémea, do mesmo óvulo! Nunca a vi, nem nunca mais ouvi falar no caso. A Nelinha nunca me adiantou nada e eu respeitei o seu silêncio. Desconfio que foram separadas à nascença e uma delas foi adoptada!

(Entretanto, há pouco tempo, chegou-me um telefonema de um advogado de Nova Iorque, que me informou que alguém, estrela na Broadway, estaria interessada em legar, em testamento, a sua fortuna à Kátinha – filha da Nelinha, de quem sou padrinho e que vive comigo desde que a sua mãezinha se finou. Fiquei surpreendido e, por mais que eu tentasse, a informação não foi além disso.)

Mas as memórias são como as cerejas, vêm sempre umas atrás das outras: lembrei-me agora que, quando fui a Paris com a Nelinha, em 1972, estávamos no Louvre e ela, a determinada altura, pediu-me o meu canivete suíço. Não liguei ao caso e quando já vínhamos de regresso, no comboio, a Nelinha apresentou-me um diamante, de enorme tamanho!

(No relato dos Búfalos Associados é mencionada uma estatueta roubada. Mentira, foi um diamante enorme!)

Disse-me com o ar mais angelical do mundo que vira uma vitrina com uma abertura e com o canivete que lhe emprestara tinha deslocado a gema de uma tiara exposta.

Fez um trabalho tão perfeito que nenhum alarme soou. A Nelinha – ingénua – não alcançara o problema que nos poderia ter saído na rifa!

Meti a pedra no bolso e disse-lhe que depois se veria o que fazer. A pedra deveria ser muito valiosa e eu na altura não tinha como resolver o assunto. Entretanto, com o cansaço, adormeci e quando acordei a pedra tinha-se pura e simplesmente evaporado… Bizarro!

Em 2006, como devem estar recordados, e para mal dos meus pecados, a Nelinha apareceu morta, no Museu do Teatro, aquando do Convívio da Tertúlia da Liberdade.

Todo o mundo me acusou da sua morte. Um papel na mão da Nelinha, machucado, dava a entender que fora eu. Nunca se veio a provar! E assim fui preso, acusado e julgado, mas não fui incriminado, por falta de provas.

Resolvi, agora, rever todos os acontecimentos. Lembrei-me que com a minha máquina fotografara todos os cantos da cena do crime. Fiz dezenas de fotos.

Neste momento estou a revê-las, tentando decifrar o caso.

Numa das mesas havia um livro que, mais tarde, a senhora da biblioteca veio dizer-me que alguém lá o deixara, esquecido. Não me ocorre o título, mas era sobre as memórias de um antigo personagem histórico. Se calhar era mais uma pista deixada pela Nelinha e a que nós não ligámos.

Noutra mesa, junto ao corpo caído da Nelinha, estavam desenhadas com o dedo no pó umas letras que eram: JLZPGUZ. Um enigma que a Nelinha deve ter deixado escrito no pó do tampo. Lembro-me de ter ensinado à Nelinha uns jogos sobre criptografia. Ela aprendia depressa…

Numa outra foto nota-se a janela, ao fundo, meio aberta e uma corda a pender da balaustrada de ferro, para a rua. Com tantos policiaristas a passarem pela sala e ninguém descobriu nada. Que rico ramalhete, benza-os Deus!

Sem dúvida que a Nelinha teria desconfiado daquele encontro, marcado – julgo – em meu nome. Sabia quem era a pessoa que a convidara, ou, no mínimo, desconfiara.

Algo se passou que levou à morte da Nelinha e à minha incriminação. Eu tinha contado a alguém que trabalhava comigo na altura acerca do diamante retirado pela Nelinha, do meu bolso, e a respectiva história. Seria por causa do diamante que a Nelinha tinha morrido?

E agora? Também não tenho provas para acusar ninguém e começo a ter dúvidas sobre a própria morte da Nelinha.

Mas, para mim, a Nelinha morreu e o verdadeiro assassino anda por aí a assobiar!

 

Resumindo: o que me resta é um problema policial e as sacramentais perguntas da ordem:

– Quem matou a Nelinha?

– Qual o nome que corresponde ao enigma?

– Qual o título do livro que alguém deixou na biblioteca?

 

Mas não julguem que com estas questões encerramos o relato das minhas aventuras.

Em Setembro de 1999, atingi os 64 anos e reformaram-me compulsivamente da PJ. Fui eu e mais três camaradas, entre os quais o Garçôa. No último dia de trabalho, ia eu a sair do edifício, já no passeio, quando alguém chocou comigo vindo em sentido contrário. Só quando entrei no carro me apercebi que me tinha sido surripiada a carteira e, com ela, todos os documentos.

Requisitar de novo a documentação – não queiram saber – deu-me um trabalhão. Depois de ter reunido de novo os documentos, a carteira foi encontrada num marco de correio. Fiquei com os documentos em duplicado. O dinheiro que tinha, esse, voou!

Apesar deste contratempo, eu e mais os colegas reformados mais amigos, entre eles o Garçôa (éramos quatro ao todo), combinámos dar um passeio de carro, todos os anos em Setembro.

Em 2000 lá fomos dar a nossa voltinha. A certa altura, fiz uma travagem brusca para evitar um acidente. Acontece que bati com a cara no vidro pára-brisas e os meus óculos voaram e foram aterrar nas orelhas do Garçôa, que seguia no banco atrás do meu. A malta riu-se, mas eu não achei muita graça, pois tinha partido a cana do nariz e os meus olhos ficaram azuis que até parecia que tinha óculos escuros. Isto apesar de eu ter colocado o cinto de segurança e o ter apertado, penso.

Devo ter explicado mal a travagem às autoridades porque me cassaram a carta, e proibiram-me o volante, durante dois anos.

Porém, como tinha outro exemplar da carta, aquela que voltou a reaparecer na carteira roubada, foi o que me valeu para poder andar regularmente. Passei durante os dois anos por diversas operações stop e ninguém me aborreceu, mas o certo é que os médicos só me deram como apto para conduzir depois de longas observações à minha cabecinha.

O meu colega Garçôa insiste em contar uma versão divergente desta história. Mas quase que juro que tudo foi como contei, a menos que os leitores não estejam de acordo comigo. Nesse caso, a história muda de figura. Compete-lhes apresentar a prova.”

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO