Autor Data 1 de Setembro de 2008 Secção Competição Problema nº 1 Publicação O Almeirinense |
MEMÓRIAS DE TEMPICOS (O CLUBE DOS
MENTIROSOS) A. Raposo & Lena Hoje
vou contar-lhes mais uma das minhas histórias. Passou-se esta nos anos 90.
Nessa altura trabalhava eu no edifício da Sede da P.J., ali bem pertinho do
Liceu Camões, em Lisboa. Calhou-me
na sorte investigar um crime deveras curioso. Em pleno Largo Trindade Coelho
(antigo Largo da Misericórdia), havia um prédio que tinha no rés-do-chão
lojas de alfarrabistas e no 1º e último piso um clube. Era nem mais nem menos
o Clube dos Mentirosos. Nunca
li os seus estatutos. O Clube dedicava-se à promoção do jogo do bilhar. Nada
teria a ver com mentiras. Só depois percebi que o nome seria outro, mas era
conhecido assim porque os seus quadros directivos e
funcionários mentiam, compulsivamente. Numa pequena conversa sempre
conseguiam meter uma mentira. Na
sede, havia um salão onde se efectuavam,
regularmente, campeonatos de bilhar. Mais ao fundo, uma sala mobilada com uma
secretária junto à janela que espreitava para o Largo e que ficava mesmo em
face da escadaria da Igreja de S. Roque; era a sala do director,
exactamente onde ele tinha sido morto. Era
director da colectividade
um velho careca, solteirão misógamo, o conhecido major Tapioca. Um homem de
mau feitio, que toda a direcção odiava. Como
assessora da direcção, trabalhava a menina –
solteirona inveterada – Aldegundes, personagem de pêlo
na venta, que nutria um ódio de estimação pelo seu chefe, o presidente, de
quem recebia ordens e raspanetes a toda a hora. Tapioca obrigava-a a
trabalhar muito para além do horário de trabalho. Aldegundes
confessou a Tempicos: “Naquele dia, preparei-lhe, antes de sair,
o habitual chá. O presidente só apreciava o chá quente. Eu levei-o geladinho,
como vingança. No líquido, coloquei, com muito cuidado, o conteúdo de uma
cápsula desfeita. Cianeto! Aproveitei um momento em que ele foi à casa de
banho. Deixei-lhe a chávena na secretária e fui-me embora. Tenho a certeza
que o liquidei. Fi-lo de forma premeditada, pois já não podia aguentar as
suas atitudes. A cápsula de cianeto consegui-a através de um oficial alemão,
que recuperava dos ferimentos, em Portugal, obtidos na I Grande guerra, de
nome Heinrich Himmler, das S.S.” O
secretário fora ao fim da tarde à sede do Clube. Contou a Tempicos: “Subi no elevador da Glória e fui a pé até
à sede, que é ali perto. Quando percorria o passeio junto à escadaria da
Igreja de S. Roque, lembro-me ver dois miúdos a pedir para o Santo António,
uma tradição popular. Dei dois tostões a cada um e segui. Abri a porta e subi
até ao 1º andar. Fui à sala do major Tapioca. Pareceu-me estar a dormitar na
secretária. A sala tinha pouca luz e havia no ar um cheiro adocicado. Logo
dali da porta saquei o meu revólver e disparei na careca dele. Saí,
calmamente. Não me pareceu haver mais ninguém no Clube. Confesso que o matei.” Registei
todas as informações, inclusive aquela que me disseram que todos os membros
da direcção tinham a chave do Clube. Fui
ouvir o último dos suspeitos, o tesoureiro, que me disse: “…ao fim da tarde,
entrei no Clube. Pareceu-me não haver ninguém. Subi e dirigi-me à sala do
presidente. Ele estava na secretária, pareceu-me que a dormitar. A luz era
fraca; somente um raio de sol entrava pela janela. Fui pé ante pé e
cravei-lhe um punhal nas costas. Se ele estivesse a dormir, então, quando
acordasse, estaria morto! Havia na sala um cheiro esquisito a amêndoas
amargas (ou seria a pipocas?), que não era costume. Enfim, matei-o. Tenho as
minhas impressões digitais no punhal e isto é uma confissão.” O
resto da história conta-se breve. A chávena de chá estava quebrada, no chão.
Na secretária só ficou o pires, intacto. A
bala entrara no topo da careca e a ferida apresentava queimadura nos bordos.
Uma pequeníssima quantidade de sangue escorrera da ferida da bala. Igualmente
a faca espetada não fizera ensanguentar a zona. Sabemos
que cada um dos pretendentes a criminoso era mentiroso compulsivo. Precisamos
definir quais as mentiras que contaram, comprovadamente expostas nas suas
afirmações. Por
fim, não peço mais nada se não a nomeação da personagem que levou o major
Tapioca à morte. |
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© DANIEL FALCÃO |
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