Autor

A. Raposo & Lena

 

Data

6 de Fevereiro de 2011

 

Secção

Policiário [1020]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2011

Prova nº 2 (Parte I)

 

Publicação

Público

 

 

TEMPICOS E A VIÚVA ALEGRE

A. Raposo & Lena

 

Caro leitor, não sei se me conhece: sou o Tempicos. Detective Tempicos.

Há muito que deixei a Judiciária e hoje vivo de recordações.

Porém, ainda no passado Verão fui convidado a passar o mês de Agosto na mansão do meu amigo John Anderson, que foi meu colega quando andei na Universidade de Oxford. A passear os livros, diga-se em abono da verdade…

Acontece que ele é o herdeiro do velho Lord Anderson, seu avô, e possui uma mansão a norte de Londres, virada a sul, que é cópia fiel daquela chamada de Ellingham Hall em Suffolk (onde Assange, do Wikileaks, se refugiou quando saiu da prisão inglesa). Estão a seguir a minha explicação?

Em tempos o colega Anderson encomendou-me e eu mandei fazer uma estátua, cópia da que está na Batalha, em homenagem ao Nuno Álvares. É certo que o avô do meu amigo é um personagem posterior em alguns séculos ao nosso bom Nuno.

Mas ao Anderson isso era acessório e ele queria que o seu avô fosse como o outro. Encomendei a estátua e até o pedestal. Só mudei o escudo e o nome do herói. Tudo o resto foi cópia e como tal até saiu mais barato…

O avô Anderson era um jogador de espada do seu tempo e isso fez com que o meu amigo visse as semelhanças. Eu achei um exagero mas não o contrariei.

No início de Agosto lá fui eu, de avião, até Inglaterra, vi a estátua que ficava a destoar do conjunto do edifício pois fora colocada em frente à porta principal da mansão. Parecia que o cavalo e cavaleiro queriam entrar pela porta dentro…

Ainda aguentei alguns dias à conta do amigo mas acabei regressando mais cedo dado que o ambiente não me estava a agradar. Isto porque estava lá um pessoal um bocado abichanado. Um tal conde Romanoff dos ballets russos e um fotógrafo muito na berra de nome Hervé. Sobre o meu amigo Anderson eu também já não poria as mãos no fogo!

O que animou mais a estadia foi a presença de uma “tia”, muito bem recauchutada, que eu apelidava de viúva-alegre e que me ocupou uns serões. O seu nome era Lilly e tinha uma fortuna enorme. Uma mulher que telefonava à noite para o meu quarto a pedir ajuda para lhe descalçar as longas botas de montar. Eu garanto que nunca vira cavalos lá pela propriedade, mas cada um veste e calça do que gosta. Que até a ela lhe ficava bem. Botas pretas e lingerie vermelha!

Na despedida, pois ambos viemos embora, como prenda ofereceu-me o quadro do Picasso Demoiselles d´Avignon, um quadro pequeno mas que vale uma pipa de massa. Não ia recusar, parecia mal. Não há dúvida que as mulheres gostam de me apaparicar. Porque será?

Estava ainda na mansão um casal catalão de nome Barbacena.

Quando já regressara recebi uma carta do dono da mansão a contar o que se passara entretanto, após a minha partida. Tinha havido um crime! Romanoff fora morto.

Quando este conduzia o carro cedido pelo proprietário e que estava ao serviço dos visitantes para darem as suas voltinhas, fora atingido com um tiro na cabeça que lhe dera morte imediata. Romanoff vinha de dar um passeio pelas redondezas e antes de chegar à porta principal estava morto. O veículo andara mais uns metros e parara por falta de pressão no acelerador.

A mansão estava cercada por um bom pedaço de terreno, com pouca vegetação e a propriedade estava rodeada por forte e alto gradeamento, o que não facilitava potenciais assaltantes vindos do exterior.

Um forte portão de ferro dava acesso à propriedade. Uma estrada de terra batida ligava o portão até à mansão, subindo em direcção à ala nascente, atravessava a frente do corpo central do edifício e circundava a ala poente, e acabava numa pequena praceta nas traseiras. Os quartos da criadagem ocupavam os pisos mais altos do corpo central do edifício. Os quartos dos hóspedes e do dono as laterais no rés-do-chão do edifício.

Pensou-se que alguém poderia ter atingido Romanoff de fora da propriedade com espingarda de longo alcance e mira. Mas eram hipóteses. Os vidros das portas do carro estavam descidos excepto o do lugar ao lado do condutor. Nenhuma beliscadura havia no veículo.

Anderson enviara junto à carta a foto da estátua do seu avô (uma recordação da estadia de Tempicos, dissera…). Tempicos fixou-se na foto da estátua do inglês e sentiu alguns remorsos por ter entrado naquela alhada, mas a cópia da estátua era tão perfeita, tão igual, à que estava junto ao Mosteiro da Batalha. A sombra da espada que o avô brandia projectava a sombra no chão, do lado direito do cavaleiro.

Romanoff fora morto cerca das dez da manhã e alguns serviçais ouviram o tiro e vieram ver o que se passava. Precisava a carta:

Hervé disse que estivera nessa manhã a tirar fotos da casa, do jardim, da estátua, do interior da casa, quartos e salões e não ouvira qualquer tiro, nem dera pela chegada do carro. De tarde descansara após o almoço e só se levantara ao fim da tarde.

Anderson estivera toda a manhã no quarto a pôr umas contas em ordem e a tarde gastou-a tratando da estufa de plantas nas traseiras da mansão.

O casal catalão estivera de manhã a jogar bilhar no salão de jogos, nada ouviram e de tarde estivera a ler na biblioteca. Os criados confirmaram.

Anexo à carta vinha uma indicação da posição dos quartos e a foto feita por Hervé:

Na ala leste estava Hervé no quarto lilás e Romanoff no quarto rosa.

Na ala oeste Anderson no quarto azul e o casal catalão na cinza.

Tempicos andava com as células cinzentas muito ferrugentas, por falta de uso. Só pensava no bem-bom e numas férias na praia da Rocha à conta da oferta da viúva Lilly. Lá pela praia costumava pescar belas trutas dos mares do Norte…

Aliás, com tempo e disposição iria analisar melhor o caso relatado pelo seu amigo Anderson e descobriria o que se passara na mansão inglesa, tal como os nossos confrades policiaristas terão que fazer.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO