Autor Data 2 de Março de 2014 Secção Policiário [1178] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2014 Prova nº 2 (Parte I) Publicação Público |
HOJE HÁ PASSARINHOS… A. Raposo & Lena Estamos
nos anos 60, na cidade de Lisboa, mais propriamente nos arredores do
conhecido bairro da Picheleira. Como
peça fundamental de convivência citadina, existe a Cova Funda, uma taberna à
maneira, onde se joga à sueca, se consomem passarinhos fritos, jaquinzinhos e
umas iscas com elas. O vinho, em barril, vem diretamente do produtor, o bom
carrascão, do Cartaxo. Na
cozinha temos a menina Fatucha, filha do Taberneiro
Elias – homem da serra da Estrela que aterrou na cidade grande e se
estabeleceu, faz um tempão. Fatucha é o elo de
ligação entre a rapaziada que vai ou voltou da guerra colonial. A
moçoila era cheiinha de carnes, faces rosadas, fartos seios e trato fácil. A
rapaziada, a rebentar de hormonas, gostava do clima e frequentava a casa. Naquele
dia, lá estavam eles: o Pinguinhas, o Peida Gadocha,
o Malacueco, o Marreco, o Pingarelho e o Olho Vivo. Andavam
todos a azucrinar a Fatucha e segundo constava a
moça não permitia avanços. Tempicos, nessa altura,
morava por perto, e fazia parte do grupo. Ao passar à porta da Cova Funda
chegava-lhe os cheiros das iscas cruzado com o perfume barato da Fatucha e, não resistia, sempre lhe ficou o gosto dos
petiscos e de molhar o pãozinho em prato alheio. Ficou
fã dos passarinhos fritos, um amor de toda a vida, tal como o seu Benfica. A
cozinheira (Fatucha) raramente mudava o óleo da
frigideira e os jaquinzinhos perdiam a piada. Lá
estavam todos. No bairro eram conhecidos como “os seis da vida airada”. Quatro
numa mesa no meio da tasca a jogar à sueca e um ao balcão a fazer companhia a
Tempicos a trincar passarinhos fritos. O resto era
a paisagem das pipas, por detrás do balcão, cujas torneiras ao abrir chiavam
como se chorassem o carrascão a sair, era a zona da estrita responsabilidade
de Elias. Pelo
meio das pipas um estreito corredor levava à cozinha e aos lavabos. Em
fundo uma ladainha vinha do televisor, apesar de a preto e branco mas já com
o locutor a fazer o relato da bola, aos berros mas que ninguém ligava, pois o
Benfica não jogava naquele dia. A
Fatucha andava num vaivém, a bandear as grossas
coxas, e a levar pratinhos com jaquinzinhos enfiados em palitos e um ou outro
apalpão às escondidas e que ela invariavelmente respondia com um “teja quieto!”. A
jogatina a certa altura parou para balanço dos resultados e foi aproveitado
por um jogador para pôr a bexiga em ordem. A natureza inexorável. Quando
o anafado Zé regressava para a continuação da jogatina, aproxima-se da mesa
do jogo e caiu na cadeira a queixar-se das costas. De facto, alguém, no
entretanto dera-lhe uma bela facada nos rins. O seu parceiro de jogo ficou
boquiaberto. Tempicos, de costas para a
cena, a trincar os passarinhos, empurrados por uns copos de três, não deu por
nada. Nem o companheiro Quim – ambos a petiscar ao balcão - avançado centro
do Penha-de-França que sofria de acentuada escoliose mas era o melhor
marcador de golos de cabeça da equipa. Elias arrepanhou os poucos cabelos. Tempicos naquela época
andava a fazer o tirocínio para Inspetor da PJ e avocou o caso, já naquele
tempo lhe atribuíam um olhar perspicaz. Diziam-lhe
as células cinzentas que a moça tinha um rapaz debaixo de olho e aos outros
não passava “cartolina” e isso criava um ambiente de competição e ciúme no
grupo. Começou a tomar as suas notas num caderninho de capa preta: “– O espertalhão do
Manel estava a fazer as contas do jogo e não viu nada. Aliás, tinha ganho a
última vasa, mais o seu infortunado parceiro anafado: –
O pelintra do Tozé estava a ver o jogo de futebol
na tv e… nada enxergou. –
O Zé só se queixava e queria ir para o hospital. –
O tacanho do Tó estava a olhar a rua e nada viu. –
O Elias estava a encher copos e não se apercebeu de nada.” Tempicos, à socapa,
revistou por todo o lado e conseguiu descobrir, escondido num bolso do
avental da Fatucha, um papel com o seguinte texto: “Espero-te
às nove na esquina da mercearia.” – Pingarelho. … Passaram-se
quase 50 anos e Tempicos voltou ao caderninho preto
entretanto guardado. Recordou o caso e redesenhou a cena e os intérpretes e a
pergunta mantinha-se: –
Quem tem mais hipóteses de ter esfaqueado o Peida Gadocha? Desenhe
a cena do crime e ponha em todos os actores os
nomes e respectivas alcunhas. |
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© DANIEL FALCÃO |
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