Autor Data 1 de Maio de 2016 Secção Policiário [1291] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2016 Prova nº 4 (Parte I) Publicação Público |
TEMPICOS E OS TRÊS VELHOS AMIGOS A. Raposo & Lena Eram três amigos de longa data.
O que estava melhor de vida era sem dúvida o Dr. Antunes, mas os camaradas
Silva Martins e Adriano, todos acabados de entrar na reforma tinham tido um
percurso de vida que lhes permitia agora fazer actividades que só uma boa
reforma concede. Juntos foram fans do Benfica, militaram no mesmo partido
político, andaram pelas lojas maçónicas, frequentaram o mesmo cineclube. Em
termos de prática desportiva porém cada um foi para seu lado. Um para o
ténis, outro para o golfe e o Martins ficou-se pelo ténis de mesa. Todas as 5ªas feiras à
tarde havia reunião em casa do Antunes, no enorme salão/biblioteca no 1º piso
da sua espectacular vivenda. A um dos cantos da sala vitrinas mostravam uma
soberba coleção de moedas romanas que fazia as delícias do amigo Silva Martins
também colecionador amador. No outro lado do salão uma
estante a toda a largura com livros em várias línguas sobre a escrita dos
antigos – fenícios, gregos e por aí fora. Adriano adorava folheá-los, ele que
fora homem de letras, tal como Antunes. Naquele dia e no meio de
animada cavaqueira, sem grande a propósito, Antunes afirmou que tinha fortes
indícios que alguém (que ele desconfiava) estava a preparar-lhe um funeral
antecipado e por isso estava a pensar rapidamente fazer testamento. Às cinco da tarde vinha da
cozinha do rés-do-chão a velha empregada Maria com o tabuleiro contendo duas
chávenas Vista Alegre e o caneco alemão com decorações e tampa metálica
especial para a cerveja mas que o Antunes utilizava para o seu chá. Com aquela tampinha o calor
não se perdia. Um pouco antes da chegada
da Maria bateu-lhes à porta a sobrinha do Antunes, a Paula, pedindo a chave
do carro ao tio para ir às compras ao Centro Comercial. Para além desta sobrinha
tinha Antunes uma outra, de nome Marta, que estava a trabalhar em Madrid e
ainda António, um sobrinho a estudar no Porto. Não tinha mais familiares
vivos, infelizmente. Alguns biscoitos vinham a
acompanhar o chá mas Antunes não lhes tocou e já o caneco ia a meio, começou
a manifestar algumas aflições respiratórias, tentou mas foi incapaz de falar,
até que caiu redondo – morto! Naquela altura estava
Antunes a tentar solucionar o problema policial do jornal Público da semana
passada e ao cair desamparado ainda teve a força para pegar na caneta e
desenhar um retângulo na margem da folha. Presumia-se que fosse uma
forma de comunicação para os seus amigos. Maria, a criada, lavada em
lágrimas, afirmou ao inspetor da Judiciária que fizera tudo como era costume.
Estivera a dar à Paula a lista dos artigos de mercearia para comprar enquanto
aquecia – fervia – a água para o chá. Punha primeiro o açúcar no fundo das
chávenas, ia cortar a hortelã fresquinha do quintal, fazia a infusão e levava
ao primeiro andar. Naquele dia fora até Bernardino, o jardineiro, quem lhe
cortara a hortelã já que estava com a mão na massa, a arranjar as flores. Da Judiciária ligaram a
Tempicos que naquele momento viajava num “tuk-tuk”, acompanhado de uma
rapariga irlandesa cabeça de cenoura e sardenta de corpo inteiro. Viajavam
agarradinhos para evitar os malvados paralelepípedos da cidade velha que
faziam saltitar a frágil viatura. O caso foi-lhe contado, por
telemóvel, durante a viagem com todos os pormenores e no fim para total
espanto do seu colega da Judite o assunto estava totalmente solucionado! E sem mais delongas, é
pedido aos amigos leitores um relatório sobre o que se passou realmente e já
agora, aproveitando a boleia uma opinião sobre quem irá beneficiar dos bens
do falecido Antunes, uma vez descoberta a nudez forte da verdade sob o manto
diáfano da fantasia. |
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© DANIEL FALCÃO |
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