Autor Data 1 de Setembro de 2021 Secção O Desafio dos Enigmas
[123] Competição Torneio
de Iniciação A. Raposo Prova nº 4 Publicação Audiência GP Grande Porto |
TEMPICOS E OS IRMÃOS SHERIF A. Raposo & Lena Os irmãos Sherif eram gémeos monozigóticos, iguais como fotocópias,
filhos de mãe alemã e de pai paquistanês. Eram ainda crianças quando os pais
se separaram e se desfez o casamento. Um ficou com o pai e o outro com a mãe. Cresceram, assim, em
ambientes completamente diferentes de crenças e hábitos. Um foi educado à
maneira europeia e o outro, no Paquistão, à maneira muçulmana. Hermann veio com a mãe para a Alemanha e Malik ficou com o pai. Quando voltaram a
encontrar-se, já adultos, verificaram que tinham um certo pendor para a
“golpada”, não obstante terem sido educados separadamente. A culpa talvez
fosse dos genes. Pensaram e formaram uma
associação criminosa. Como eram iguais, decidiram ter a mesma identidade,
isto é, serem o mesmo Sherif, Hermann
ou Malik, conforme a conveniência do momento, ou
serem duas pessoas diferentes, como de facto eram. Mas tudo sempre baralhado.
Ambos pediram segundas vias dos respectivos
passaportes (alegando extravio ou roubo) que depois trocaram entre si. Cada
um passou a ter duas identidades e dois passaportes com nomes diferentes. Uma
espécie de homens duplicados! Podiam portanto coexistir em termos de
identificação documental os seguintes pares: Hermann/Malik, Malik/Malik, Malik/Hermann e Hermann/Hermann. Deste jeito, era fácil a um
fazer um roubo e ao outro fornecer um álibi! A sociedade, formada no
dealbar do século XXI, foi medrando e ganhando muito dinheiro. As polícias
sabiam que havia ali marosca mas oficialmente nada
podiam fazer. Faltavam as provas. Eles atuavam separados, comunicando-se por
telemóvel. Por vezes, enquanto um atuava, o outro fazia-se deter por um
qualquer delito menor. Passados uns dias o preso pagava a fiança e saía
alegremente. Nos assaltos “à Sherif” notava-se que o ladrão
usava luvas e tinha o cuidado de não deixar qualquer resíduo orgânico, pois
nunca se encontrara a mais pequena dedada, cabelo ou escama de pele que
pudesse ser atribuída a um Sherif, salvo dois casos
insólitos que refiro a seguir. Durante a operação do roubo, presume-se que o
mano assaltante se vestia como se estivesse numa sala de operações cirúrgicas.
Estranhamente, apanhou-se de uma vez um alicate e de outra uma chave de
parafusos, as quais, por incrível que pareça, tinham exclusivamente as
impressões digitais do mano encarcerado. Não há muito tempo – estava
eu de serviço na PJ em Lisboa – calhou-me ir visitar (por mera curiosidade,
pois aquele caso não me pertencia) a cela da Judiciária onde Malik Sherif se encontrava
detido. Tinha ficado preso no dia anterior por uma questão pouco importante e
fora identificado pelo passaporte. E aconteceu o que alguns
adivinhavam, o Malik fez-se prender para o seu mano
atuar, fornecendo-lhe um álibi, pois, naquela mesma noite, uma ourivesaria em
Frankfurt fora assaltada “à Sherif”e aliviada de
imensas jóias, conforme informação posterior da
polícia alemã. Um golpe de mestre. Lembro-me bem do que vi. O preso vestia e tinha o
aspeto de um autêntico paquistanês, com uma belíssima barba a condizer. No
momento em que entrei estava em plena oração, ajoelhado num tapete de sua
propriedade. A cela era pequena, mas
arejada. Naquele fim de tarde, o sol entrava pela janela de grades. Pensei
que a expressão – o sol aos quadradinhos – se adequava muito bem à cena, pois
Sherif, ao elevar-se da prece, e antes de se voltar
para mim, ficou com a quadrícula das grades desenhada na cara. Ele falava corretamente
várias línguas e saudou-me afavelmente: – Alá é grande e Maomé o
seu profeta. Tinha dinheiro e notei que
o guarda lhe facilitara a vida. Naquela tarde de agosto o
calor forte fizera com que o carcereiro (a troca de algum) lhe arranjasse uma
sandes mista e uma Sagres. Sabiam melhor que o rancho do refeitório da
polícia. Um livro que devia ser o Corão também lhe fazia companhia. À saída troquei com o
guarda breves impressões sobre o comportamento do preso. Disse-me que era muito educado
e cumpridor escrupuloso dos preceitos da sua religião. – Um verdadeiro crente –
acrescentei eu antes de me despedir. Saí a pensar que um dos
irmãos estivera a trabalhar e o outro a “construir” o respectivo
álibi na prisão, para ser mais convincente. Porém, já estava certo sobre qual
dos dois tinha pernoitado na PJ. E por exclusão, quem fizera o roubo na
Alemanha. Julgo que os meus amigos também irão
descobrir quem fez uma coisa e a outra e por que razões os dois manos atuavam
como indiquei atrás. |
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© DANIEL FALCÃO |
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