Autor Data 20 de Janeiro de 2020 Secção Competição Torneio
"Solução à Vista!" – 2019 Prova nº 8 Publicação Audiência GP Grande Porto |
A LENDA DO CAVALEIRO SEM CABEÇA Bernie Leceiro A mulher tanto podia ter
vinte e cinco como trinta anos, mas isso já não era importante pois entre ela
e o tempo abria-se um vazio de indiferença total. De costas sobre um
tabuleiro de aço reluzente e inoxidável não era mais que um vulto à espera do
selo do expedidor. Identidade desconhecida,
corpo decapitado. A garganta foi cortada da esquerda para a direita, dois
cortes distintos sendo do lado esquerdo, a traqueia, a garganta e a espinal
medula. Na zona da clavícula do ombro esquerdo do corpo uma contusão,
aparentemente de um polegar. O abdómen foi aberto do centro da parte inferior
das costelas ao longo do lado direito sob a pélvis, à esquerda do estomago,
ali a ferida era irregular. O revestimento do estomago também foi cortado em
vários lugares, aparentemente feito com uma faca de lâmina forte. A morte
terá sido quase instantânea. Só depois lhe terá sido subtraída a cabeça. Alves da Selva observava o
corpo com total indiferença remetendo as suas memórias para o filme de Tim
Burton The Legend of Sleepy Hollow,
colocando-se de repente no lugar do protagonista o inspetor Ichabod Crane. Meses antes
aparecera na Praia de Leça da Palmeira, a cabeça de uma mulher de origem
oriental junto a um contentor do lixo cujo corpo nunca apareceu, tão pouco a
principal suspeita do homicídio assumira a autoria do mesmo. Alves da Selva,
profundo conhecedor da cultura daquele país asiático, fruto da relação de
quase um ano com uma belíssima massagista Tailandesa, de nome Anong, fazia jus ao seu nome como é tradição no país,
fora à data chamado como tradutor e consultor nos interrogatórios. Existiria
alguma ligação entre os casos? Nessa noite dormiu bastante
mal, sonhando que era Ichabod Crane
perseguido pelo Cavaleiro Sem Cabeça quando tentava desvendar uma série de
assassinatos misteriosos onde as vítimas são encontradas decapitadas. No
sonho de Crane o Cavaleiro era encarnado pela
mulher que horas antes vira no Instituto de Medicina Legal que cavalgava
incessantemente em busca da sua cabeça vinda de Matosinhos em direção a Leça
da Palmeira, mas tal qual como no filme, neste caso não conseguia atravessar
uma estranha ponte em pedra com dezoito arcos sobre o rio Leça onde mulheres
cantavam alegremente enquanto lavam roupa nas suas margens. Na manhã seguinte, após uma
dose dupla de café, encaminhou-se para a esquadra. O corpo fora descoberto
por um sem abrigo junto ás “alminhas da ponte”. A
ausência de sangue ou outros sinais de violência indicavam que o corpo fora
abandonado aí tendo o crime sido cometido noutro local. Da cabeça nem sinal. A vítima já tinha sido
identificada. O especialista adjunto em criminalística, Saraiva, nunca perdendo
o seu apurado sentido de humor mesmo nas situações mais horripilantes,
sabendo do gosto do Inspetor por uma boa charada deixou uma nota escrita na
mesa do seu chefe: “Bom dia Inspetor-chefe, a
vítima já foi identificada, mora num condomínio fechado, em Leça da Palmeira,
muito curioso, constituído por 10 habitações e conhecido localmente pela
relação de amizade e familiar dos seus habitantes – o Condomínio Friends. Cinco amigos, Aquiles,
Bernardo, Celso, Dinis e Ernesto, têm cada um deles, um filho e uma filha.
São tão amigos que cada um casou a filha com o filho de um dos outros quatro
e resolveram em conjunto comprar um terreno e dessa forma viver em comunidade
junto das pessoas que amam e no futuro acompanharem o crescimento dos seus
netos. Deste modo, a nora do pai
do genro de Aquiles é cunhada do filho de Bernardo e o genro do pai da nora
de Celso é cunhado da filha de Dinis. Ainda que a nora do pai da
nora de Bernardo tenha a mesma cunhada que o genro do pai do genro de Dinis,
a situação é muito simples, pois nenhuma nora é cunhada da filha do seu
sogro. A vítima era casada com o filho do Bernardo.” Identificada a vítima, era
hora de apanhar o homicida. Num breve inquérito ao marido, familiares e
amigos, mergulhados numa profunda consternação, a dedução do problema do seu
adjunto estava correta. Foi fácil atendendo à concentração de todos no
Condomínio Friends. A vítima era proprietária de um
restaurante tailandês e uma loja gourmet de venda de produtos alimentares
oriundos do mesmo país asiático. Rapidamente foram identificados pelos
familiares e amigos quatro suspeitos com ligações recentes à vítima, que
poderiam ter razões para tão hediondo crime: Khalan, proprietário de um centro de massagens
em Matosinhos; Preecha, cozinheiro no restaurante da nora de
Bernardo; Thaksin, importador e distribuidor de produtos
tailandeses a restaurantes e lojas da especialidade, entre os quais os da
vítima; Somehai, proprietário de um restaurante asiático
na mesma rua do da vítima. Alves da Selva, resolveu devolver o enigma ao seu adjunto deixando uma
nota escrita em cima da sua secretária, antecipando o interrogatório que iria
conduzir individualmente com os suspeitos: “Caro Saraiva, devolvo-lhe com carinho o enigma que me deixou. Tenho 4
suspeitos, dou-lhe uma hora para descobrir quem é o principal suspeito, cujo
nome deixo escrito e fechado na gaveta da minha secretária. Será esse
suspeito que será presente ao juiz para ser arguido como autor do crime de
homicídio e profanação de cadáver. (…)” Os leitores poderão
confirmar as deduções de Alves da Selva e Saraiva sobre o principal suspeito
do crime e a identidade do pai da vítima? DESAFIO AO LEITOR: Caro leitor. Desenvolva a
sua teoria, sustentando-a com os factos disponíveis. |
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© DANIEL FALCÃO |
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