Autor Data 3 de Fevereiro de 2008 Secção Policiário [863] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2007/2008 Prova nº 3 Publicação Público |
MORTE NA PONTE Búfalos Associados Uma
jovem senhora, casada com um rico homem de negócios, fora habitar com o
marido na margem sul de um rio. Ele era obrigado a frequentes ausências e a
jovem aborrecia-se terrivelmente. Um amigo dela e seu eterno pretendente fora
habitar na margem norte do rio. De uma casa à outra mediavam uns dois
quilómetros, repartidos em dois troços quase iguais da estrada que, partindo
da mansão do casal se dirigia para poente, atravessava uma estreita ponte e,
já na outra margem, seguia para nordeste, até à casa do amigo. Continuando
para leste, a estrada levava à casa de um conhecido sedutor que há pouco
viera viver para a região. Uma
tarde, durante uma das ausências do marido, a jovem saiu de casa, atravessou
a ponte e foi bater à casa do amigo. Ele manifestou-lhe de novo o seu amor,
que ela uma vez mais recusou. Ela dirigiu-se então à casa do sedutor, que
casualmente estava em casa e a convidou a entrar. Gerou-se entre eles uma
imediata atracção, jantaram e passaram a noite
juntos. De
manhã ela acordou sobressaltada. Aproximava-se a hora do regresso do marido e
saiu precipitada em direcção à ponte. Aí esperava-a
uma assustadora surpresa. Um louco perigoso estava na ponte e ameaçava matar
quem quisesse atravessá-la. A jovem resolveu então procurar um barqueiro que,
ali perto, costumava transportar as pessoas de um lado para o outro.
Disse-lhe não ter qualquer dinheiro com ela e pediu-lhe que a levasse à
margem sul. O homem não se deixou convencer e insistiu no pagamento. Desesperada,
ela dirigiu-se à casa do amigo e implorou-lhe um empréstimo, mas ele ficou
chocado quando ela lhe contou onde passara a noite e recusou ajudá-la. Então
ela resolveu recorrer ao amante ocasional, que também não se comoveu. Era já
hora do regresso aprazado do marido. Voltou a abordar o barqueiro, mas sem
resultado. O
rio era largo, agitado, impossível de atravessar a nado. De madrugada chovera
abundantemente. Não havia outro remédio senão ir até à ponte e tentar passar,
mas, como era inevitável, o louco matou-a. Quem
tiver idade para isso, talvez se lembre desta história. Era um jogo de
sociedade/teste psicológico que esteve em voga nos anos 60. O teste consistia
em perguntar aos amigos qual das seis personagens tinha sido mais responsável
pela morte da jovem. O amigo? O sedutor? O marido? O barqueiro? O louco? Ou
ela própria? Deviam colocar-se por ordem de responsabilidade moral, do mais
para o menos culpado. Normalmente não havia duas opiniões iguais e cada
resposta tinha a sua interpretação. Ora acontece que, aqui há uns anos, um detective norueguês nos relatou um caso com ele
acontecido, em tudo praticamente igual a esta história. Vejamos os
apontamentos narrados por ele. Passava
do meio-dia quando o guarda-florestal daquela região apareceu no posto de
polícia, situado a três quilómetros a noroeste do local, alertando para o
facto de, no meio da ponte, estar um corpo de mulher loira, morta, com as
roupas vermelhas esfarrapadas, tudo sugerindo violência. Um médico de
imediato solicitado, após um breve exame, pronunciou-se por morte por
estrangulamento entre as 9h e as 10h dessa manhã. Perto
do corpo foram encontrados: um botão de metal amarelo ainda com um pedaço de
linha preta agarrado e cabelos arrancados de duas cores diferentes – loiros,
longos, aparentando ser da vítima, e outros escuros e mais curtos. Foram
interrogados separadamente todos os suspeitos menos o louco, que não foi
encontrado. O que disseram coincidia com a história do teste, pelo menos até
às 9h da manhã. Vejamos o que disseram. Depoimento
de Helmer – Advogado, proprietário da casa a sul do
rio, Helmer era moreno e vinha de fato de cor
castanha e gravata desapertada. Declarou ser o marido da vítima, reconheceu o
cadáver e mostrou-se desolado. “Eu amava muito a minha mulher. Cheguei de
viagem, pontual, às 9h da manhã, e estranhei não ver Nora em casa. Perguntei
por ela às duas criadas, que me disseram que a senhora saíra a meio da tarde
da véspera e não dormira em casa. Também não levara o telemóvel. Tive um
palpite. Sabia que um antigo namorado dela se mudara recentemente para uma
casa na margem norte. Fui até à ponte, seriam umas nove e um quarto, e daí
pude ver ao longe a casa em questão. Para evitar um confronto, voltei para
casa, mas cheio de maus pressentimentos. Certamente que ela estava em casa do
amigo. Agora estou arrependido de lá não ter ido. Teria certamente evitado
esta desgraça. Nora amava-me e tudo indica que tentou fugir às tentativas
dele. Decidi ficar em casa e não voltei a sair a não ser quando a polícia me
convocou para vir aqui. Estava tão preocupado que nem sequer despi a roupa de
viagem. As minhas empregadas podem testemunhar.” Depoimento
de Rank – É o amigo da margem norte. Jovem médico
de cerca de 30 anos, baixo, também moreno, vestia uma calça cinzenta, camisa
amarela e um gilet de malha bege com botões de madeira. “Aconteceu desgraça?
Estou arrependido de não lhe ter dado o dinheiro. Comigo não aconteceu nada,
mas ela disse-me que passou a noite com o vizinho. Depois de lhe ter recusado
o dinheiro, com remorsos, saí e fui até à ponte. Não vi ninguém. Pensei,
pronto, a Nora já deve estar em casa. Não lhe aconteceu nada, pois não? O
marido é tão ciumento…” Depoimento
de Krogstad – Homem para 35 anos, moreno. Chegou
impecável, com um fato de treino vermelho, ténis brancos e uma toalha branca
à volta do pescoço. “Coitada da rapariga, era tão bonita, não merecia acabar
assim. Claro que dormiu em minha casa, e então? Entre pessoas adultas, qual é
o problema? De manhã, não sei que horas eram, preocupado por não lhe ter dado
o dinheiro, vesti-me para sair e fui até à ponte. Acho que o meu mordomo me
viu sair, porque foi ele que me preparou a roupa. Fiquei já vestido para um
almoço que ia ter na cidade, do qual acabei por desistir. Voltei, vesti esta
roupa e fui fazer uma corrida na margem do rio. Fui uns bons dez quilómetros
para o lado nascente e voltei, era quase meio-dia. O mordomo devia estar a
tratar do jardim e não me viu chegar. Ah, é claro que não vi ninguém, nem na
corrida nem na ponte. Calculei que a senhora já estivesse em sua casa. Quando
vinha para aqui verifiquei que ela me roubou um prato qualquer que eu tinha
perto da porta da entrada. Não apareceu nada na ponte, não? Eu não
encontrei.” Depoimento
do mordomo – O mordomo declarou: “A senhora dormiu, de facto, lá em casa, mas
de manhã já lá não estava. Dei por isso quando ajudei o senhor a vestir-se
para sair. Calça cinza e um blazer. Perto da porta
deu por falta de um prato na mesa da entrada e ficou furioso. Era uma
porcelana de altíssimo valor que pertencera ao Rei Luís I da Baviera. Ignoro
o que se passou a seguir, porque fui tratar do jardim das traseiras onde
estive o resto da manhã.” Depoimento
do barqueiro – Era um homem dos seus 60 anos, cabelo todo branco, baixo e
magro. “Não tenho culpa nenhuma se alguma coisa se passou. Ela não tinha
dinheiro, eu vivo do meu trabalho e não faço favores. À segunda vez veio-me
com um prato de louça para pagar a travessia. Eu não quero cá pratos, só
quero ‘moné’! Depois fui com o barco rio acima até
um local mais ou menos a três quilómetros dali, a nascente, onde costumo ir
pescar. Ela veio algum tempo atrás de mim, pela margem, a tentar
convencer-me! Depois voltou para trás e não sei mais nada.” Depoimento
do guarda-florestal – Era um homem de mais de 50 anos, cabelo grisalho, mais
branco que preto, fardado de caqui castanho. “Que houve? Seriam 9h da manhã,
ia passar a ponte de sul para norte para fazer a minha ronda, quando
encontrei o louco, excitadíssimo. Ele é meu primo, e às vezes tem crises
violentas, só fala em matar. Consegui acalmá-lo, trouxe-o para minha casa que
fica na margem sul aí a uns dois quilómetros da ponte, para poente, e dei-lhe
um forte comprimido para dormir. Eram para aí 10h, fiquei em casa a arrumar
umas coisas e ao meio-dia voltei à ponte, onde encontrei a senhora naquele
estado.” Falta
dizer que o valioso prato apareceu, dias depois, intacto, no fundo do rio,
quase debaixo da ponte. Mas a polícia não teve dúvidas em suspeitar de quem
foi o assassino. Pergunta-se: quem terá morto Nora e porquê? Reconstitua o
que se passou. Será que esta história esconde ainda uma coincidência curiosa? E
já agora divirta-se a discutir o teste com os seus amigos. |
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© DANIEL FALCÃO |
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