Autor Data 4 de Julho de 2010 Secção Policiário [989] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2010 Prova nº 7 (Parte I) Publicação Público |
CONVITE FATAL Búfalos Associados Era
uma manhã gelada de Inverno quando o Inspector
Garrett foi chamado à Fraga Negra onde ocorrera um estranho caso. Após vários
dias de tempestade, uma patrulha da G.N.R. tinha encontrado nove mulheres
transidas de frio, perdidas na neve que cobria a região. A história que
contaram era quase inacreditável. A Fraga Negra, no Gerês, é um local de
muito difícil acesso, onde alguns anos antes alguém comprara um velho castelo
e o transformara de forma a poder ser habitado com todas as comodidades. Os
poucos seres vivos das redondezas desconheciam o dono da mansão. Constava que
pertencia a um tal Sr. Ónimo, que vivia em Lisboa e
nunca aparecera por lá. Na GNR de Terras de Bouro, o Inspector
Garrett, que se fizera acompanhar pelo médico e pelo Sargento Pais, ouviu as
nove mulheres: “Nenhuma
delas conhecia qualquer das outras até se terem encontrado num local que lhes
tinha sido determinado na cidade de Braga a fim de, na passada 6ª feira,
apanharem um transporte que as levaria até à mansão da Fraga Negra. Eram
então dez e todas tinham recebido um convite por escrito para uma semana de
férias, assinado por um tal A.N.Ónimo, que não
conheciam, mas em termos que lhes inspiravam toda a confiança. Depois de
instaladas em dez quartos individuais da luxuosa mansão, procuravam perceber
o motivo de tão insólito convite. Aos poucos foram descobrindo que nada lhes
faltaria, embora não descortinassem mais ninguém a não ser elas próprias. Uma
delas tinha sido contratada como cozinheira, outra como criada dos quartos e
não faltavam mantimentos. A tempestade de neve tomou proporções assustadoras
e parecia que dificilmente poderiam sair dali, tanto mais que a carrinha que
as transportara desde Braga se tinha ausentado. Sentiam-se isoladas, mas a
situação parecia agradável, apesar de tudo. Havia lareira e lenha em todos os
quartos mas telefone fixo nem vê-lo. As coisas começaram a complicar-se
quando todas verificaram que, enquanto faziam um reconhecimento pela casa, os
telemóveis que haviam deixado nos quartos, tinham desaparecido. Depois
do jantar, executado pela Alda, subitamente ouviu-se, através de uma
instalação sonora, uma voz feminina que lhes dizia mais ou menos isto:
“Minhas senhoras, silêncio por favor. Acuso-vos dos seguintes crimes: Médica
Irene Veloso, em Março de 1998 causaste a morte a Domingos Lebre. Advogada
Maria Leal, em Agosto de 1995 foste responsável pela morte de Abílio Simões.
Alda Brito, em Janeiro de 2001 envenenaste o teu patrão Luís Gouveia.
Farmacêutica Joana Roma, em 1993 provocaste a morte de Vitória Almeida.
Empresária Carla Rego, mataste em Abril de 1999 o
teu sócio Helder Antunes. Actriz
Eva Santos, mataste a sangue frio em Novembro de
1995 a tua mãe Josefina. Juíza Ágata Cristina, foste
em Junho de 1990 a causadora da morte de Ana Reboredo. Escritora Zaida Neto, mataste em Dezembro de 1998 a tua amiga Celeste Lopes.
Economista Filomena Vaz, atropelaste mortalmente e
fugiste, em Setembro de 2001 uma mãe e uma filha no Cacém. Aida Croft, quando servias em casa do arquitecto
Vitorino Silva, envenenaste a sua mulher Ângela. Tenho provas de todas estas
afirmações. Acusadas: Têm alguma coisa a alegar em vossa defesa?” Seguiu-se
um silêncio gelado. As reacções foram diversas, mas
acabaram por ir todas para os seus quartos. Na manhã seguinte foram
aparecendo a medo para o pequeno-almoço. Era já perto do meio-dia quando
começaram a estranhar a ausência de uma delas. A advogada Maria Leal acabou
por concluir que faltava uma tal Ágata Cristina, nome que não lhe escapara.
Dirigiram-se ao seu quarto, bateram repetidamente e ninguém respondeu. A
porta parecia fechada por dentro. A actriz sugeriu
que se arrombasse a porta, mas a escritora, que se revelou como autora de
romances policiais, impediu que tal acontecesse pois seria melhor fazer a
tentativa de contactar as autoridades. Após uma infrutífera busca ao resto da
casa e como o temporal tivesse abrandado, decidiram então meter-se à neve.
Com a ajuda de uma bússola e de um mapa Michelin de 2005 que encontraram na
biblioteca conseguiram perceber onde estavam e embrulhadas nas suas roupas
mais quentes, os pés envoltos em sacos de plástico, meteram-se a caminho. Era
quase de noite quando encontraram a patrulha que as conduziu a Terras de
Bouro. Após
a acção de um veículo limpa-neves, o Inspector fez deslocar todos até à Fraga Negra onde
começaram as investigações. Aberta a porta do quarto, o espectáculo
não era dos mais agradáveis. Em cima da cama, sobre uma enorme mancha de
sangue já seco, jazia morta a Juíza Ágata Cristina em camisa de dormir também
suja de sangue. O médico, após observação, adiantou que tudo indicava que a
morte se devera a uma enorme perda de sangue, em consequência de fracturas expostas das duas pernas e ainda uma forte
pancada no pescoço que teria atingido a jugular. Perto da cama um atiçador da
lareira sujo de sangue seco. Não foi encontrada a chave da porta. As cinzas
na lareira aparentavam ter sido queimada qualquer coisa mais além de lenha,
talvez objectos de plástico e metal. Junto à mão
direita do cadáver, um telemóvel que o Inspector
Garrett, calçando luvas de latex e após ter fotografado a cena, examinou. A
última marcação, aliás não atendida, tinha a data da passada 6ª feira pelas
23.45h e havia sido feita para o nº 924326386. Tentando ligar para esse
número do seu próprio telemóvel (curiosamente ali havia rede) o Inspector constatou que esse número não estava atribuído.
Numa gaveta da cómoda foram encontrados dois frascos contendo o que mais
tarde foi identificado como cianeto de potássio e hidrato de cloral. Também
um revólver carregado. Sobre uma pequena escrivaninha várias folhas de papel
A4, estando uma escrita com os seguintes dizeres: “Há
algumas probabilidades de que esta minha confissão lançada ao Rio Homem,
dentro de uma garrafa, seja um dia capaz de esclarecer o mistério dos dez
cadáveres encontrados na Fraga Negra. Tenho o prazer mórbido de matar e de
ver morrer. Por outro lado sempre desejei o triunfo do direito e da justiça.
Passo a descrever como fiz para liquidar estas senhoras que, ao longo da
minha vida profissional, tive conhecimento de terem sido injustamente
inocentadas.” O
resto da página estava em branco. As prateleiras da escrivaninha estavam
cheias de romances policiais. Sentados na sala, os três inquiridores trocavam
impressões. – “Pais, notaste alguma coisa comum a
todos os quartos que te chamasse a atenção?” – “Sim, – respondeu o Sargento –
“Um poema afixado por detrás das portas dos dez quartos.” –“Exacto” – continuou Garrett – “É um poema que um grande
poeta português recentemente falecido passou à escrita. Chama-se “Xácara das
10 Meninas”. Começa assim: “Era hua vez dez meninas
/ de hua aldeya muito probe. / Deu o tranglomanglo
nelas / não ficaram senão nove. / Era hua vez nove
meninas / que só comiam biscoito. / Deu o tranglomanglo
nelas / Não ficaram senão oito.” E vai por aí fora
até dar o tranglomanglo à última das dez. E
repararam nas dez figurinhas de barro que representam dez meninas com a cara
pintada de preto e que estão no centro da mesa de jantar? Meus amigos, acho que já sei o que se passou. Meu Deus, isto foi como
um regresso à minha juventude. Só vos digo que o
assassino merecia um prémio pois com o seu crime pode ter evitado um morticínio.” Serão
os nossos amigos policiaristas capazes de deslindar
os vários mistérios envolvidos nesta história? |
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© DANIEL FALCÃO |
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