Autor Data 2 de Setembro de 2012 Secção Policiário [1100] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2012 Prova nº 8 (Parte I) Publicação Público |
A TIA LAURINDA E O TESOURO DO CAPITÃO KIDD Búfalos Associados Acabada
a leitura, o Inspector Garrett pousou o livro sobre
a mesa à sua frente. Não era a primeira vez que o lia, porém sempre com o
mesmo prazer. Em tempos começara por ser uma recomendação da tia Laurinda,
essa curiosa figura que o tinha iniciado no gosto pela literatura policial. A
família Garrett, com origens na Irlanda, tinha chegado a Lisboa, vinda do
Porto, em 1948, ano em que a tia Laurinda com 11 anos foi frequentar o Liceu
D. Filipa de Lencastre. Foi por essa altura que começou a ler a revista
Camarada, tendo-se deixado logo cativar pela secção Mistério e Aventura,
assinada pelo saudoso Sete de Espadas, e ainda por uma outra página onde se
aprendiam os princípios básicos do charadismo. Incrível
criatura a minha tia Laurinda, pensou Garrett, o seu
entusiasmo pelo policiarismo, que a acompanhou toda
a vida, não era vulgar entre as senhoras do seu tempo e ela dificilmente
encontrava assunto de conversa com as amigas. Algumas até lhe chamavam Miss Marple de Algés com alguma ironia maldosa que em nada a afectava. Por
volta dos 30 anos, a tia Laurinda casou com um “brasileiro de torna viagem”
de nome Sepúlveda que, em terras de Vera Cruz, tinha feito uma fortuna
considerável que, no entanto, desbaratou a jogar no Casino da Póvoa. Mas a
tia Laurinda nascera com uma estrelinha da sorte. O Sepúlveda, possuidor de
um charme que o tornava irresistível para o comum das mulheres, envolveu-se
numa aventura amorosa com uma riquíssima viúva americana de passagem por
Portugal. E a paixão foi tão forte que a multimilionária levou o tio
Sepúlveda para o Brasil, onde tentou convencê-lo a divorciar-se, o que nunca
veio a acontecer. E, numa noite de tempestade ao largo da Baía, o iate
particular em que o casal viajava naufragou e ambos morreram de uma
assentada. Acontece que a americana, como prova do seu amor, tinha feito
testamento de todos os seus bens a favor do amante e, em consequência disso,
a tia Laurinda viu-se detentora de uma invejável fortuna como nunca
imaginara. João
Garrett voltou a pegar no livro. Edgar Pöe fora
sempre uma das leituras da tia Laurinda. “Foi ele que estabeleceu as bases da
novela policiária”, costumava ela dizer. Depois
de um longo processo judicial, a fortuna da ricaça veio enfim parar-lhe às
mãos. Antenas de ouro, chamavam-lhe as vizinhas. Mal
elas sabiam que a Laurinda sorria porque de novo se lembrava de Edgar Pöe. E decidiu converter uma grande parte da herança em jóias que mandou fazer, as quais passou a guardar em
lugar seguro e a que chamava O Tesouro do Capitão Kidd. A
peça mais valiosa da colecção era, claro, uma
inspiração de Pöe: um grande insecto
em ouro maciço ornado com três valiosos rubis em sítios que davam ao conjunto
o aspecto de uma caveira. As antenas eram fieiras
muito finas de pérolas verdadeiras encastradas em ouro. Um
dia a tia sofreu um grande desgosto. A moradia no Algarve, para onde se
mudara, foi assaltada e ela viu-se privada de muitos dos seus bens. O
desgosto foi tão grande que viria a morrer algum tempo depois. Mas à hora da
morte ainda pôde segredar ao sobrinho que Edgar Pöe
a tinha salvado de perder tudo. “Lê o Pöe e
encontrarás O Tesouro do Capitão Kidd”, foram as
suas últimas palavras. “Abençoado
naufrágio do Sepúlveda!”, pensava Garrett olhando o
mar algarvio da varanda da moradia que herdara de sua tia, bem como as lições
de charadismo. Depois de ter relido o Pöe,
encontrou por cima do fogão de sala, num porta-cartas de cartão, um
sobrescrito amarrotado aparentemente sem valor que escapara ao roubo; retirou
dele um velho papel escrito pelo punho da tia e seguiu as instruções nele contidas até encontrar o tesouro. Eis
o que dizia o papel: (adic.) A ulceração
causava tal sofrimento ao idoso
que ele se sentia como um insecto (3,2). / (parag.) Uma alternativa dá-nos sempre a riqueza da escolha (1,2). / (apoc.) O que está preso por um filamento, apesar de tudo existe (3,2). / (prot.)
Quem cogita acaba sempre a
enriquecer o depósito (2,3). / (epen.) É preciso saber em que flanco fica cada balcão
(2,3). / (parag.) Afirmarei que há sempre uma recta perigosa (2,3). / (apoc.) A parreira
fornece a bebida que aumenta o descaramento
(3,2). / (epen.) Há sempre um caminho que leva ao café
(2,3). Pergunta-se:
que contos de Edgar Allan Pöe
inspiraram a tia Laurinda e qual foi a frase que indicou ao Inspector Garrett a localização do tesouro? |
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© DANIEL FALCÃO |
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