Autor Data 4 de Agosto de 2013 Secção Policiário [1148] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2013 Prova nº 7 (Parte I) Publicação Público |
A TIA LAURINDA E A MORTE DE DONA PERPÉTUA Búfalos Associados O
Inspetor Garrett gostava de contar as histórias da Tia Laurinda aos seus
amigos. Algumas constituíam autênticos enigmas policiários, como o caso de Dona
Perpétua, antiga colega de escola de Laurinda e que falecera vítima de crime
violento na sua moradia do Algarve, vizinha da Tia Laurinda. Vivia com três
filhas: Clara, Mercês e Joana. Segundo a polícia, o falecimento ter-se-ia
dado pelas cinco horas da manhã, hora a que todas as filhas se encontravam em
casa, dormindo cada uma no seu quarto, conforme afirmaram. Dona
Perpétua era uma senhora conservadora, avessa às mais recentes tecnologias.
Possuía uma notável coleção de discos e deitava-se sempre tarde, ficando pela
noite fora a ouvir as óperas de Wagner. Era viúva, muito rica e não se lhe
conhecia qualquer outro herdeiro além das filhas solteiras, uma das quais
constava estar em dificuldades financeiras, escrava que era do vício do jogo.
A Tia Laurinda sabia que a relação da mãe com as filhas não era pacífica.
Constava ainda que eram todas boas amigas da bebida. Clara,
a mais velha e a mais mandona, era a dona da casa. Administrava os dinheiros
e discutia amiúde com a mãe. Mercês, estava desempregada e como tinha o sono
muito leve irritava-se quando a mãe punha o som da música demasiado alto.
Joana era talvez a mais pacífica, mas não tinha qualquer afinidade clubística
com a família e quando o seu Sporting perdia ninguém a podia aturar. O
corpo fora encontrado por Zenóbio, o jardineiro, que antes das cinco da manhã
já se preparava para regar os canteiros quando, através das janelas fechadas,
ouviu vozes femininas que discutiam e ruídos que pareciam de uma luta corpo a
corpo. Depois, o barulho de uma forte pancada e um grito que juraria ser da
Senhora. Zenóbio não se conteve e gritou: "Quem está aí? Que se
passa?" Ainda ouviu uma fuga precipitada pela escada acima e, como não
tinha a chave da casa, correu a bater à porta principal. Algum tempo depois,
a empregada Umbelina, que dormia no fundo da casa, veio abrir. Zenóbio correu
à sala e viu a cena macabra: Dona Perpétua jazia de borco sobre a alcatifa,
com as marcas de uma fortíssima pancada na cabeça. Umbelina, como em tempos
tinha tido experiência de enfermagem, rapidamente verificou que a Senhora
estava morta. Depois correu à escada e gritou repetidamente a chamar as
filhas, que dormiam no andar de cima e que, aos poucos, foram descendo
alarmadas pelo alarido. Chamada
a polícia, que não demorou a chegar, Umbelina lembrou-se de avisar a vizinha
Laurinda, cuja predileção por histórias de crimes era conhecida. E esta ainda
pôde ver que perto do corpo estava um atiçador de ferro da lareira,
certamente a arma do crime, e que debaixo do corpo apareceu caído um telemóvel. Aparentemente
nada terá resultado do interrogatório breve que a polícia teve com todos os
intervenientes. E após toda a casa ter sido amplamente fotografada, a polícia
retirou-se, deixando a impressão de que dera especial importância a uma janela
aberta para as traseiras numa casa de banho do piso térreo. As três filhas
recolheram aos seus quartos. Foi então que a Tia Laurinda deu início à sua
investigação particular. "Terá
alguém fugido por aquela janela aberta?" A empregada afirmou não acreditar,
aquela janela, afastada do chão, estava sempre aberta de Verão ou de Inverno
pois a Senhora gostava da casa sempre arejada. "Além do mais fica mesmo
perto do meu quarto e eu teria dado por qualquer coisa". Usando umas
luvas que sempre a acompanhavam, Laurinda sentou-se a um canto da sala
consultando o telemóvel que a polícia tinha deixado ficar. As últimas
mensagens enviadas revelavam alguma dificuldade em pagar avultadas dívidas e
percorrendo a agenda de contactos gravados, à procura de nomes conhecidos,
encontrou: Clara, Dona Laurinda, Joana, Umbelina e Zenóbio. Perto da lareira
uma mesa de jogo sobre a qual se espalhavam as cartas de dois baralhos. Dona
Perpétua costumava jogar "crapô" com as filhas, sempre a dinheiro,
e normalmente ganhava. Perto, uma pequena mesa com jornais dos quais se
destacava um desportivo com um título em caixa alta: SPORTING VOLTA A PERDER.
Também dois copos com sinais de terem sido usados e uma garrafa de whisky
quase vazia. -"Umbelina, você encontrou a aparelhagem de som ligada?"
-"Não, mas ouviu-se música muito alto até tarde esta noite. E agora
estou a lembrar-me de uma coisa importante, quando as chamei, duas das
meninas desceram em camisa de noite, mas houve outra que vinha vestida como
tinha andado durante o dia." "Não
diga mais, Umbelina, acho que já desconfio de quem possa ter sido a assassina
da Dona Perpétua. Coitada, que de perpétua teve pouco." Amigos
do Inspetor Garrett, digam lá de quem suspeitou a
Tia Laurinda, e porquê. |
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© DANIEL FALCÃO |
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