Autor Data 25 de Novembro de 2021 Secção Policiário [99] Competição Torneio do Centenário do Sete
de Espadas Prova nº 7 – A Publicação Sábado [917] |
Solução de: O CRIME NO QUARTO SETE Búfalos Associados O
Inspetor Garrett sabia por experiência própria como é perigoso apontar
intuitivamente uma solução baseada em aparências, sem uma análise mais
aprofundada do problema. Muitas vezes o investigador fica agarrado a uma primeira
ideia, sem conseguir depois libertar-se daquilo que desde o início lhe
pareceu indiscutível, e que afinal pode ser puro engano. Ou não… “O
caso do CRIME NO QUARTO SETE apresentava três suspeitos principais, ou seja
os três hóspedes que, nessa noite, pernoitaram na pensão Mar À Vista: Rogério
Cunha, o atleta, no quarto 1; Torcato Silva o angariador de seguros, no
quarto 3; e José Lopes, o caixeiro viajante, no quarto 14. Todos os quartos
virados a nascente. O corpo do senhor André foi encontrado na cama do seu
quarto 7, com janela voltada para poente. Tivemos
notícia do animado jantar entre os quatro, em que se deve ter bebido bem,
talvez a ponto de exaltar alguns ânimos. Temos um único testemunho, o da
empregada Vera que, por se ter esquecido de qualquer coisa, teve de voltar
cerca das 10 horas, e afirmou que só estava um conviva como patrão, talvez os
outros dois tivessem ido já deitar-se. Mas a conversa entre os dois presentes
era bastante exaltada. A ponto de ter ouvido o senhor André, aos gritos,
gabar-se de “ter violado a mulher do outro interlocutor”. Se procurarmos um
motivo para o insólito assassinato do dono da casa, aí o temos: um ajuste de
contas por parte do marido de uma esposa ultrajada. Mas qual dos três poderá
ser o marido vingador? A
noite estava insuportavelmente quente e as janelas só podiam estar abertas. E
era aberta que estava naturalmente a janela do quarto 7, quando a GNR chegou.
A porta do quarto estava fechada à chave, e a chave poisada na mesa de
cabeceira. Logo estamos em presença de um problema de quarto fechado, mas de
janela aberta. Ou seja, deve ter sido pela janela que o assassino terá
entrado e saído após o crime. Mas o quarto 7 situa-se no segundo piso, a uma
considerável distância do chão e com acesso complicado. De resto, a faca, a
suposta arma do crime, com vestígios de sangue, foi encontrada caída do lado
de fora da janela, o que pode indicar ter sido atirada pelo assassino após o “trabalho”.
Repare-se
agora que a polícia foi encontrar ausentes no chaveiro da pensão, além das
chaves dos quartos ocupados, também, estranhamente, a chave de quarto número
6, aquele que fica exatamente por baixo do quarto do crime. Portanto, parece
não haver outra explicação para a ausência da chave do 6, senão a
possibilidade de alguém, com qualidades atléticas, ter usado o quarto 6 para,
trepando de uma janela para a outra imediatamente acima, ter chegado ao
quarto do senhor André. Só que terá cometido o fatal erro de não ter
devolvido a chave do 6 ao seu poiso habitual. Se calhar ficou mesmo esquecida
na respetiva porta. Então,
sabendo que as três esposas já em tempos tinham sido hóspedes da pensão,
salta à vista que, dos três suspeitos, só um parece ter as aptidões físicas
para trepar pelo exterior da casa, de uma janela do piso térreo para outra do
andar superior. E esse seria naturalmente o Rogério Cunha atleta experiente e
praticante de surf. E assim fica-mos com a suspeita muito
pertinente sobre quem possa ter sido o assassino, num impiedoso ato
justiceiro. O quarto do Rogério fica mesmo ao lado da receção onde estará o
chaveiro para o acesso à chave 6. Difícil sim, mas não impossível, terá sido
a escalada noturna. O erro fatal terá sido deixar algures, esquecida, a chave
comprometedora”. O
inspetor Garrett fez uma pausa e continuou: “Mas cuidado com as aparências.
Até aqui tudo indica que terá sido o Rogério o assassino. Mas cuidado com as
primeiras impressões. Vejamos se não haverá outras hipóteses. Lembremo-nos
que há duas empregadas, e uma delas, a Vera, tão solícita a dar informações
tão íntimas. Não é de desconfiar? Claro que qualquer das empregadas não
precisava de ir ao chaveiro tirar a chave do 6, nem de trepar janelas para
chegar ao quarto 7. Haverá certamente um chaveiro de serviço com chaves
suplentes de todas as portas, incluindo a do 7. E, se pensarmos que o senhor
José não tem família, é bem possível que possa ter feito testamento a favor
de alguma das empregadas com quem parece ter tão boas relações. Assim não
podemos afastar, para já, a possibilidade de a conversa que a Vera disse ter
ouvido, ter sido inventada por ela com a intenção de se descartar das culpas
do crime que cometera. O truque da chave 6 esquecida faria parte de uma
encenação elaborada pela Vera, destinada a recebera herança. O atleta, já
conhecido de anteriores estadias, seria o “bode expiatório”, vítima agora da
trama com que anteriormente o acusámos. O golpe era, pela calada da noite,
com toda a gente a dormir profundamente depois dos copos, voltar à pensão,
entrar no quarto 7 usando a chave suplente, matar o patrão adormecido, deitar
a faca pela janela aberta de forma a parecer perdida no trajeto, e voltar a
sair fechando a porta de novo, deixando a chave do 6 propositadamente esquecida
fora do chaveiro para inculpar o surfista. Em qualquer acareação seria um contra
uma E a possível negação da esposa poderia ser tida por pudor ou vergonha. Elaborámos
duas suspeitas baseadas numa primeira análise, tal como era pedido. Mas sem
certezas. A chave do 6 seria encenação da Vera, ou simples descuido do
Rogério? Só uma investigação mais completa poderá dizer onde estará a
verdade. Interrogatórios aturados, inclusive às três esposas, procura de
impressões digitais na faca e não só, análise de vestígios da escalada pelas
janelas. Sem ideias preconcebidas, siga a investigação. E não adianta fazer
apostas. A lição deste problema poderá ser: cuidado com as aparências.” |
© DANIEL FALCÃO |
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