Autor Data 25 de Junho de 2023 Secção O Desafio dos Enigmas
[165] Competição Torneio
"Solução à Vista!" – 2022 Prova nº 11 Publicação Audiência GP Grande Porto |
O MISTÉRIO DA TERCEIRA CHAVE Búfalos Associados Esta
história foi-nos contada pela Dona Rosa, uma lisboeta franzina, nada e criada
num dos bairros populares da capital, e leitora assídua de romances policiais
nas horas vagas. A senhora fora empregada numa pequena leitaria pertença de
dois sócios que tinham feito grande amizade durante a guerra colonial e que,
mais tarde, já regressados a Portugal, resolveram associar-se juntando alguns
dinheiros que as famílias tinham guardados nas gavetas, e abrir um pequeno
café de bairro. Os
dois sócios chamavam-se Vasco e Ribeiro, por coincidência exatamente os nomes
de dois populares atores, protagonistas de um conhecido antigo filme
português que naquela época passava com frequência na televisão, e por essa
razão, resolveram batizar o café de “LEITARIA ESTRELA D'ALVA”. Ainda o mais
curioso é que dois empregados que trabalharam na casa durante bastantes anos
chamavam-se, um Silva e o outro Barroso, para além, claro, da Dona Rosa que
chefiava a cozinha. O elenco parecia quase perfeito e durante algum tempo
tudo parecia correr bem. O negócio prosperava, a casa tinha uma freguesia
certa e a caixa registadora cantava bem. Mas,
como diz o ditado, não há bem que sempre dure e, aos poucos, a relação entre
os dois sócios foi azedando, a ponto de começarem a suspeitar de que haveria
por ali desvios de dinheiros. Todos, patrões e empregados, desconfiavam uns
dos outros e o ambiente toldou-se. A clientela já comentava o caso. Quando se
faziam as contas ficava sempre a impressão de que faltava dinheiro na caixa.
E, uma vez que não havia grande controle, as primeiras desconfianças, como é
costume nestes casos, iam sempre para o pessoal. Embora os patrões não
pudessem ficar fora de suspeitas, até porque era voz corrente que ambos
tinham começado a ter uma vida dissoluta e gastadora. O Ribeiro era um
femeeiro incorrigível e sabia-se que despendia todo o dinheiro que ganhava
com mulheres. O Vasco, por seu lado, tornara-se um jogador inveterado e
gastava no jogo tudo o que tinha, mais o que ficava a dever. Na verdade,
andavam ambos sempre fortemente endividados. Além disso, a antiga amizade que
os unira, desaparecera como que por encanto, caso que não é raro. E, um belo
dia, a bronca estalou. Segundo
o relato da Dona Rosa, o café estava sempre aberto entre as 7 e as 20 horas,
ela entrava às 7 e saía às 15, depois de terminados os almoços que a casa
servia. Quanto aos empregados, o Barroso fazia o horário das 7 às 15 horas e
o Silva das 12 às 20, o que permitia que ambos estivessem presentes em
simultâneo entre as 12 e as 15, no período dos almoços. O descanso semanal
era ao domingo. Os patrões tinham horário livre, mas era hábito estarem quase
sempre no café, havendo pelo menos um que procurava abrir a porta às 7 horas
e outro fechá-la depois das 20, embora todos os cinco tivessem cada um a sua
chave, o que lhes permitia sempre abrir ou fechar a porta da rua. A
partir de certa altura passou a haver maior controle nas contas e os dois
sócios começaram a fazer todos os sábados, no fecho do café, um balanço final
da semana, e o dinheiro remanescente na caixa passou a ser guardado num cofre
que tinha sido adquirido e que ficava fechado no pequeno escritório. Só cada
um dos patrões tinha a sua chave do cofre, bem como do escritório, mas, por
segurança, tinham decidido mandar fazer uma terceira chave do cofre que
ficaria escondida num local secreto que só eles sabiam qual era. Contou
a Dona Rosa que certa segunda-feira, pelas 7 horas da manhã, como de costume
foi a primeira a chegar, pouco tempo depois entraram o Barroso e também o
patrão Vasco, o qual daí a alguns minutos dava o alarme: “Fomos roubados! A
porta do escritório foi arrombada, o cofre está aberto e completamente vazio.
Mas ainda tem lá a chave na fechadura! E não é a minha pois essa estava aqui
no meu bolso!” O Barroso e a Dona Rosa verificaram que tudo isto era verdade.
Chamou-se o outro sócio, o Ribeiro, e foi resolvido apresentar queixa à
polícia, a qual veio a tomar conta da ocorrência. A quantia em falta,
referente a vários meses, ainda seria respeitável. A
Dona Rosa resumiu assim os depoimentos que ouviu cada um fazer à polícia, que
não foram em privado: O
Vasco afirmou que, uma vez que a sua chave estava bem à vista, ali na sua
mão, o cofre só podia ter sido aberto com a terceira chave, cujo esconderijo
só os patrões deviam conhecer. Mas certamente que o ladrão teria sido um dos
empregados, pois os dois sócios não tinham necessidade de arrombar a porta do
escritório para lá entrar. O
patrão Ribeiro afirmou que desde o fim da tarde de sábado, depois de ter
conferido a caixa com o Vasco e ambos terem guardado o dinheiro no cofre,
fora passar o fim de semana fora de Lisboa em casa de uma senhora com quem
até pensava casar. E mostrou a sua própria chave, que andava sempre no seu
bolso. O
Silva disse ter sido o último a sair no sábado, porque o patrão Vasco lhe
tinha dito que, antes de sair, tinha de fazer uma limpeza total ao
frigorífico. Cerca das 22 horas fechara a porta da rua e tudo estava normal.
Fora logo para fora de Lisboa para casa de uns amigos, onde ficara até
domingo à noite. O
Barroso, à semelhança dos outros empregados, afirmou não fazer ideia sobre
onde seria o esconderijo da terceira chave do cofre. Como todos os fins de
semana, passara as noites de sábado e de domingo a trabalhar, integrado num
serviço de segurança, numa empresa privada como forma de ganhar algum
dinheiro extra. A
certa altura, atraído pelo movimento da polícia por ali, um vizinho que
morava em frente, apareceu com uma declaração importante dizendo que na noite
de sábado, seria talvez uma hora da manhã, quando estava à janela a fumar,
viu um vulto de homem que não conseguiu identificar porque estava
completamente embuçado talvez devido ao frio que fazia. O vulto abriu a porta
do café, esteve lá dentro uns quinze minutos, e depois saiu com um saco na
mão, fechando de novo a porta à chave. Não lhe pareceu estranho, pois pelo
à-vontade achou que devia ser alguém da casa, e foi deitar-se. Para
surpresa geral, de repente, o Ribeiro surgiu com uma chave na mão, dizendo
que afinal a terceira chave estava ali, encontrara-a agora mesmo onde a tinha
escondido, na casa de banho por detrás dos rolos de papel higiénico. –
“Não, não! Não era aí que estava a terceira chave!” – atalhou o Vasco. – “A
terceira chave, eu tinha-a escondido no frigorífico, na gaveta das
hortaliças. E é certamente essa que está na fechadura, porque já fui ao
frigorífico procurá-la e não a encontrei.” Nesta altura os dois sócios
exibiram as próprias chaves que cada um tinha no bolso, as quais foram
juntar-se à chave encontrada na fechadura da porta do cofre e àquela que
agora o Ribeiro acabara de trazer. Ou seja, eram já quatro as chaves do
cofre. E todas foram experimentadas, funcionando todas bem. Em
face de tudo isto, a Dona Rosa acabou por concluir, e os patrões não
desmentiram, que quando pensaram fazer uma terceira chave para o cofre, cada
um deles terá mandado fazer a sua, que escondeu onde muito bem entendeu, cada
uma em seu esconderijo secreto. Parecia
esclarecida a existência das duas terceiras chaves, só faltava saber quem
teria sido o vulto que o vizinho tinha visto a entrar no café, seria uma hora
da noite de sábado para domingo, e que seria muito provavelmente o gatuno.
Mas a Dona Rosa já tinha uma ideia sobre quem poderia ser o suspeito do
furto. Pergunta-se: qual terá sido
o palpite da Dona Rosa e como o justificar? E já agora, qual o filme
português que inspirou o nome da “Leitaria Estrela d'Alva” e por que
pormenores? |
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© DANIEL FALCÃO |
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