Autor

Cias

 

Data

8 de Maio de 1960

 

Secção

Na Pista do Culpado [45]

 

Competição

Torneio "O Produtor"

Problema nº 4

 

Publicação

Ordem Nova

 

 

SOB A BANDEIRA DA PÁTRIA

Cias

 

1

Desde a primeira vez que Douglas pusera um pé em Mormugão, desde esse momento ficara extraordinariamente admirado pelo seu aspecto de calma e paz.

Apesar de Birck Douglas ser um rapaz ainda novo tinha a noção do efeito, que causavam no espírito das multidões, as ameaças de guerra e os actos de vandalismo. Mas em Goa ficara surpreendido.

Àquela hora da manhã as mulheres faziam compras. A miudagem brincava satisfeita.

Muçulmanos, indianos, goeses e europeus, todos pareciam calmos e nas suas maneiras de andar denunciavam segurança e vontade própria.

Douglas, que esperava encontrar o ar de medo e de nervosismo, como as circunstâncias o justificavam, sentia-se co mo em Lisboa.

Os estivadores, com o seu espírito de interajuda, começaram a descarregar o barco. E Douglas juraria que eles tinham uma expressão feliz, um sorriso nos lábios, uma anedota boa para fazer rir o colega que carregasse um fardo.

E foi pensando assim que Douglas se conduziu até um polícia branco.

 

2

Sentado em frente do chefe Magalhães, Douglas ouvia da boca desse velho servidor da ordem e descrição das proezas dos indianos em Dadrá, Nagar-Aveli e em toda a fronteira.

– A ordem tem-se mantido e, creia, Douglas, nós não a impomos, ela existe no próprio espírito do povo goês.

O telefone tocou. O bom do polícia parou de falar e atendeu. Um clarão de preocupação apareceu no seu rosto. Quando desligou, murmurou:

– Mais um grupo de “voluntários”. Desta vez houve um acidente. Quer vir daí?

 

3

A clareira parecia a cena de um teatro indiano. Dum lado estava a tragédia, do outro estava a justiça.

O branco caído já estava morto há algum tempo. O seu rosto irreconhecível começava a estar coberto de moscas. Mais adiante, o indiano, sujo e roto, olhava aparvalhado para os dois canos, que dir-se-iam também, dois olhos assustados. Um tigre ao lado do morto parecia sangrar ainda…

Do outro lado, um grupo de homens observava a cena. Dois desses homens eram indianos e diziam-se «sathiagrays»; os restantes eram portugueses de Goa e da Metrópole.

O chefe Magalhães analisou a arma. Era uma arma caçadeira, marca Francotte, tinha os dois canos em direcção horizontal e estava suja por fora, de tinta verde.

O indiano, falando uma língua que talvez fosse inglês, explicou:

– Foi acidente. Eu não tive culpa de nada. Eu tinha carregado a arma por causa dos animais. De reo4ente, o branco mandou-me parar, eu parei, mas quando parei um tigre saltou sobre ele. Sem hesitar uma fracção de segundo, disparei. Dois dos tiros acertaram no tigre, mas o terceiro acertou na cara do branco. Eu não tive culpa. Foi tudo tão rápido… Foi só o tempo de apertar o gatilho.

– E os teus companheiros?

– Eles vinham atrás de mim. Não assistiram a nada.

O tigre encontrava-se muito esfacelado, assim como o rosto do europeu. O tiro devia ter sido disparado a um metro de distância de ambos. Um dos indianos fazia gestos desesperados com a mão e abria a boca, como se quisesse falar, mas nenhum som saía dela.

Lá ao longe, Goa continuava indiferente. Indiferente e confiante. A Justiça de Deus acabaria por vir mais tarde ou mais cedo, e essa é a verdadeira Justiça. A dos homens muitas vezes é cega e apaixonada. Os Goeses sabiam onde estava a razão. E a razão é Deus!

Douglas olhou para o indiano. Magalhães olhou para Douglas. Ambos tinham tido a mesma ideia…

 

PERGUNTA-SE:

– Acha que foi acidente? Porquê? Como se teria passado o caso?   

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO