Autor

Constantino

 

Data

Outubro de 1979

 

Secção

Enigma Policiário [43]

 

Competição

Taça de Portugal em Problemas Policiários e Torneio Paralelo

7º Problema

 

Publicação

Passatempo [65]

 

 

Solução de:

INVESTIGAÇÃO EM VERDE

Constantino

 

Quanto a mim, o primeiro ponto a ter em consideração consistia no reconhecimento de uma das hipóteses:

a) – o guarda Graça mentia, afirmando ter disparado apenas um tiro, e estávamos perante um homicídio.

b) – o «Lombardo» mentia, ao afirmar ter ouvido dois tiros e a inocência do Graça era de considerar.

De qualquer modo, não fiz grande fé no depoimento do Largo, que não era seguro: não podia afirmar que eram tiros os estampidos que ouvira; aliás, o ruído da pedra na vidraça e o tiro poderiam ser explicação para o que ouvira.

Partindo do princípio que a afirmação do polícia faz fé até prova em contrário, presumindo, no mundo das hipóteses, que o ex-cadastrado mentia, e fora disparado apenas um tiro, não teria o polícia encontrado mais tarde o ladrão e ajustado contas antigas? Hipótese fora de questão porque a autópsia indicou que as duas feridas de bala foram produzidas com breve intervalo.

Deixei o espirito divagar… um homem corre curvado com os grandes braços oscilantes, mãos quase tocando o solo. Um tiro disparado para as pernas atravessa a coxa em «A», sai e atinge o abdómen em «B». O homem treme, ganha forças e rápido volta a esquina, instala-se no colector preparado anteriormente (fuga idêntica na véspera e manta contra o frio) e morre cinco horas depois.

É isso! O facto de um só tiro atingir diversas partes do corpo nem sequer é inédito na história da criminologia.

Mas, as duas cápsulas de balas? Um tiro da véspera, outro daquele dia. A arma projecta o invólucro com o disparo e pode bem ficar caído um, dois dias, mais, porquanto é um objecto sem interesse. O esconderijo também não é fácil de descobrir, como a experiência da vida real o demonstra. Poderá interrogar-se: então não havia vestígios de sangue no caminho? Não se esqueça que a polícia invadiu o local e destruiria eventuais vestígios de sangue, de resto diminutos ou pouco prováveis pois só cairia depois de ensopar as roupas, o bastante para o fugitivo se esconder. O roubo era o segundo ponto. Se o «Chimpanzé» não levara os mostruários, como o polícia Graça reconhecia, quem roubou as jóias e colocou aqueles junto do cadáver? Como se terá, mais directamente, efectuado o roubo?

O homem que arrancara as jóias e colocara os mostruários junto do corpo não deixou impressões digitais; deixou, porém, a marca da sua identidade: benzol, goma resina de Damar, betume de Judeia e óxido de zinco, elementos característicos na fabricação de espelhos. Claro, há um homem que fabricava pequenos espelhos e que todos pensavam ter-se regenerado: o «Lombardo».

A circunstância de ter deixado os mostruários no colector indica que conhecia esse esconderijo: desta premissa à conclusão quase certa de cumplicidade, é um passo.

Sabiam que o Sr, Longo àquela hora ia para o fundo do estabelecimento e não veria o que se passava. A combinação era: o «Chimpanzé» partia a montra e fugia, desaparecendo no colector, valendo-se da sua velocidade para arrastar o polícia. Enquanto este procurava, o «Lombardo» saía da porta quase em frente da ourivesaria, roubava as jóias, etc… Só que houve algo de inusitado: o tiro que não era para matar, matou; os mostruários que não revelavam impressões digitais, revelaram quem lhes mexeu.

Isto, muito em resumo, o que deduzia, posteriormente confirmado pela confissão.

© DANIEL FALCÃO