Autor

Daniel Falcão

 

Data

23 de Abril de 2007

 

Competição

Torneio Sete de Espadas

Prova nº 6

 

Publicação

CLUBE DE DETECTIVES

 

 

UM MORTO NA MADRUGADA

Daniel Falcão

 

As reuniões promovidas pela Comissão Coordenadora do Torneio “Sete de Espadas” ocorriam, periodicamente, com o intuito de analisar e classificar as soluções apresentadas pelos concorrentes. Tarefa árdua esta, pois não é fácil classificar o resultado de uma investigação, quando em muitos casos os concorrentes lhe dedicam várias horas ou mesmo dias! Por mais rigorosos que procuremos ser, haverá sempre um ou outro aspecto que poderia ser melhorado. Contudo, estamos certos que os concorrentes, na sua larga maioria, percebem que damos o nosso melhor para que esta “competição” decorra da forma mais correcta e mais objectiva possível. Ademais, o homenageado, decano do policiário em Portugal, é merecedor deste esforço.

Mas, desta vez, o motivo da reunião era bem diferente. A quinta prova deste torneio de homenagem seria divulgada dali a dois dias e a prova que o iria fechar, mais um delicioso conto-enigma desse outro vulto do panorama policiário português que assina M. Constantino, já estava preparadíssima. Pelo meio, faltava-nos uma produção que deveria corresponder à penúltima prova. Confrontados com o facto de alguns dos convites, para a apresentação de uma produção ao torneio, não terem surtido qualquer efeito, deparamo-nos na contingência de ter de fazer qualquer coisa para obviar esta situação.

O Nove alegou, imediatamente, que já tinha cumprido a parte dele e que não se justificava produzir um segundo enigma. Concordância imediata! Eu encolhi os ombros, como querendo dizer: “Se tiver de ser! Será!”

Quatro olhos se voltaram na direcção do Zé-Viseu. “Bem! Não estou com muita vontade de redigir um enigma”, começou ele por dizer. “Mesmo assim, no passado fim-de-semana vi-me confrontado com uma situação “sui generis” que, se for devidamente trabalhada, pode vir a ser de alguma utilidade.” Os tais quatro olhos voltaram-se, primeiro, dois a dois, numa outra direcção, embora em sentidos opostos, e depois novamente na mesma direcção anterior e declararam a sua anuência.

“Pois bem! Aqui vai a minha curta história. Tudo aconteceu na madrugada de domingo. Estivera em casa de um amigo e dirigia-me no meu automóvel para minha casa. Conduzindo a uma velocidade controlada, como é meu hábito, acabara de escutar as notícias na rádio. ‘Passam dez minutos da uma hora da manhã’, acabara de dizer o locutor, quando observei três pessoas à face da estrada: duas em pé e a terceira caída no chão. Encostei o automóvel na berma, saí e dirigi-me ao local.

“‘O que se passa? Precisam de ajuda?’, perguntei. A resposta veio pronta, da boca de um dos homens que estava em pé: ‘Não! Está tudo sobre controlo. Pode seguir viagem…’

“Não satisfeito com aquela resposta, insisti: ‘Mas o homem está a sangrar abundantemente… Quem são vocês? O que aconteceu?’

“Os dois homens entreolharam-se e um deles, o que até ali estivera calado, veio com a seguinte explicação: ‘Eu posso explicar, muito rapidamente, o que foi que aqui aconteceu. Nós somos da polícia e como nos chegou a informação de que este homem…’, e apontou o corpo que estava no chão, ‘…andava por aqui, viemos proceder à sua detenção. Temos aqui o respectivo mandato de prisão, como pode ver…’ E mostrou-me uma folha, que retirou do bolso do casaco, mas da qual não consegui ler qualquer linha.

“Olhei para o corpo, deitado de bruços, mais exactamente para a sua nuca calva, onde vi um ferimento de bala muito pouco agradável de se ver. Continuando a observar o corpo, estava com a face direita encostada ao alcatrão da estrada e a face esquerda voltada para cima, contornei-o e reparei que na testa podia ser observado um orifício perfeitamente arredondado, em torno do qual era visível uma auréola escura. A vítima tinha, na sua mão esquerda, um revólver.

“O homem que me dera a explicação anterior voltou a dirigir-se a mim e disse, desta vez: ‘Quando nos estávamos a aproximar, avisámos que éramos da polícia. O homem assustou-se, sacou a arma, disparou um tiro na nossa direcção, por sorte não acertou em nenhum de nós, e desatou a correr. O meu colega sacou, por sua vez, da sua arma e disparou para as pernas enquanto ele fugia. Por azar, acertou-lhe em cheio.’

“Sem me afastar do corpo, voltei o meu olhar para o homem que se dirigira a mim inicialmente e, ao mexer os pés, senti qualquer coisa. Olhei para o chão e reparei que se tratava de uma cápsula. ‘Bem, se não precisam de nada, vou andando…’

“Dirigi-me ao meu automóvel, entrei, arranquei, afastei-me rapidamente e fiz o que vocês estão a imaginar…”

Logo que o Zé-Viseu terminou a sua narrativa, o Nove rindo atirou: “Mas que história tão mal engendrada! Queres fazer-nos crer que te deixariam sair dali nas calmas, depois do que viste?”

Eu sorri e perguntei: “Acham que os nossos detectives serão capazes de salientar todos os pormenores inconsistentes que estão presentes nesta história?”  

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO