Autor

Daniel Falcão

 

Data

19 de Abril de 2009

 

Secção

Policiário [926]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2008/2009

Prova nº 7

 

Publicação

Público

 

 

DE REGRESSO AO PASSADO…

Daniel Falcão

 

Era um fim de tarde quente de Outono. Tantas vezes tinha eu escolhido aquela mesma mesa, no meu café preferido, para usufruir de uma magnífica vista sobre o mar poveiro e sobre o seu imenso areal, que parecia estender-se infinitamente.

Quantas histórias vos poderia relatar dos períodos de férias que passei naquela que foi, durante muitos anos, a minha segunda cidade. Ali passava um doze avos da minha vida. Ali me despedia do Verão e abria os braços ao Outono.

Mas foi precisamente com a chegada de um amigo dos meus bons velhos tempos, com quem, por razões que teria oportunidade de averiguar, há muito tempo não falava, que a minha memória me levou até um acontecimento ocorrido há vários anos atrás, era eu ainda um jovem inexperiente nestas coisas de decifração de mistérios e enigmas.

Espraiava-me no areal, num dos últimos dias daquele ainda quente Verão, quando senti que uma mão me tocava muito levemente, quase receando retirar-me da minha breve sonolência. Abri os olhos e com a visão reduzida devido à luz do Sol não me foi possível divisar imediatamente quem era aquela figura que interrompera o meu descanso. Mas foi coisa de poucos segundos até reconhecer o Santos – agente da autoridade, sempre na peugada dos criminosos.

Levantei-me, cumprimentei-o e rapidamente percebi que algo de muito sério se passara. Não precisei de perguntar nada, porque as suas palavras foram suficientemente esclarecedoras: “Mais um homicídio!”

Naqueles momentos, sabia eu que o conhecia bem, as suas células cinzentas deviam correr céleres, a mil à hora, juntando pormenores, avaliando tempos, imaginando situações, estudando depoimentos, à procura de respostas.

Sentamo-nos no areal, olhando o mar azul, cuja calma contrastava com a celeridade dos pensamentos do meu amigo. Depois de alisar um pequeno espaço de areia, começou a desenhar uns rabiscos:

 

 

“Suspeitos?”, perguntei-lhe eu, enquanto ele apontava para os rabiscos que fizera na areia.

Foi então que me explicou que a vítima foi encontrada sentada à secretária, no seu escritório situado num primeiro andar ali para os lados da praça do peixe. A vítima fora brutalmente esfaqueada, mas ainda parecia ter dado luta. Tudo indicava que se levantara da secretária para abrir a porta do escritório e que, no regresso, recebera uma primeira facada nas costas. Surpreendido e ferido, ainda deve ter lutado com o seu agressor. Como resultado da luta, recebera mais três facadas: uma no braço esquerdo e duas no peito.

O agressor vendo-o caído no chão, inanimado, esvaindo-se em sangue, deve ter passado ao assalto. Gavetas abertas, papéis revolvidos atirados para o chão, pareciam mostrar que o roubo seria um dos motivos para aquela acção violenta. Quiçá por razões de segurança, na opinião do criminoso, o fio do telefone fora arrancado.

Pelos vistos, as quatro facadas não foram imediatamente fatais. A vítima ainda recuperou a consciência e, tal como se podia aferir do rasto de sangue, rastejou até à secretária, subindo para a cadeira e sentando-se. Num primeiro momento, deve ter tentado telefonar, como o demonstrava o sangue no telefone. Impossibilitado de o fazer rabiscara uns traços numa folha branca. “Alguns!...”, respondeu-me. O corpo fora encontrado por dois homens, pelo menos uma hora depois da morte, segundo o médico legista. Subiram juntos ao primeiro andar e encontraram a porta encostada. Entraram e viram aquele cenário macabro. Aproximaram-se, observaram o corpo da vítima e, reparando que o telefone fora arrancado, um deles desceu para chamar a polícia, enquanto o outro ficou a tomar conta.

Não fora possível confirmar, nem refutar álibis, pois os potenciais suspeitos cirandaram por ali naquele período da tarde: ora conversando com amigos, ora tratando de determinados assuntos, pessoais ou profissionais, ora vagueando junto ao mar.

O principal suspeito é o Domingos “Turra”, que fora visto a entrar no edifício do escritório, na proximidade da hora do crime. Costumava pedir dinheiro emprestado à vítima, que demorava a devolver. Foi encontrado numa tasca próxima, esbanjando dinheiro, pagando rodada atrás de rodada. Quando confrontado com a situação, começou por negar ter estado no escritório da vítima, mas depois dissera ter por lá passado, batido à porta e, como ninguém a abrira, voltara a descer. Questionado sobre o que lá fora fazer, afirmou que fora pagar uma dívida, pois ganhara umas massas no dia anterior. Entretanto, o agente reparou que a sua camisola, por sinal bastante surrada, apresentava uma mancha que parecia ser de sangue. Por isso mesmo, fora recolhida e enviada para o laboratório.

E eram todos os elementos que as autoridades possuíam até ao momento, ou seja, o que tiveram oportunidade de observar no local do crime mais as declarações das três pessoas que, confirmadamente, estiveram junto ao corpo: Domingos “Turra” e os dois homens que o encontraram, Luís “Chichão”, o que ficou junto do corpo, e Gustavo “Piloto”, o que foi chamar as autoridades.

“E porque não!?...”, exclamou em tom interrogativo o meu amigo, levantando-se abruptamente, pisando os rabiscos que fizera, apagando-os e afastando-se: “Já voltamos a conversar…”

Um murro na mesa e uma voz, ainda bastante forte, trouxe-me de regresso à actualidade:

– Como sempre, na mesa habitual, na sombra do guarda-sol… – disse ele e continuou – …buscando os criminosos. Como foi que chegaste a essa conclusão!?...

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO