Autor Data 30 de Maio de 2018 Secção Competição Prova nº 1 Publicação Audiência GP Grande Porto |
O ENFORCAMENTO DO VIGILANTE Daniel Gomes Ventura Marques era
vigilante numa importante empresa de produtos congelados. Numa tarde de domingo
do verão passado, Jorge Cunha, o colega que o foi substituir, encontrou a
porta da empresa fechada, com a chave no interior, impedindo a sua entrada.
Depois de tocar à campainha da porta por diversas vezes e de ter ligado vezes
sem conta para o telefone da empresa e para o telemóvel de Ventura, alertou o
superior hierárquico da sua entidade patronal para o sucedido, tendo este
ligado de imediato para a polícia. Meia hora depois, por volta das 17h00,
chegou um piquete da PSP, que, depois do uso de algumas chaves de serviço sem
qualquer sucesso, decidiu pelo arrombamento da porta. Lá dentro, os agentes
deslocados para o local depararam com o pobre homem preso pelo pescoço a uma
corda amarrada na tubagem da água que passa junto ao teto e com os pés a cerca
de meio metro do chão, já sem sinais de vida. No chão alagado de água,
não havia à vista nenhum objeto, um banco, uma cadeira, um caixote, nada em
que o infeliz do Ventura Marques se tivesse empoleirado para cometer aquele
seu desesperado ato. Foram de imediato chamados
os serviços de emergência médica, que se limitaram a declarar o óbito e a
comprovar que a morte fora devida a enforcamento. Entretanto, com a chegada
da Polícia Judiciária, o caso passou para a esfera do consagrado inspetor
Macunaíma, um homem de poucos músculos, muito franzino e pequeno, lento de
movimentos nos afazeres do dia-a-dia mas rápido a usar a arma e… o seu
privilegiado cérebro. Passados pouco mais de quinze minutos, fizera-se luz
sobre a forma como ocorrera a morte do vigilante, o que deixou toda a gente
espantada face à rapidez de raciocínio de Macunaíma. Estamos certos, porém,
que o leitor, com a sua vocação para detetive, também já sabe como tudo
aconteceu. Mas antes que faça
julgamentos precipitados, convém que o leitor fique a saber que o espaço onde
o corpo foi encontrado é composto por outras três portas, que comunicam com
os demais espaços de trabalho da empresa. Estas estavam igualmente fechadas
pelo interior do local onde se deu o enforcamento, com as respetivas chaves
na fechadura, não havendo qualquer outra hipótese de alguém entrar naquele
compartimento sem ser através daquelas portas, conforme constatou o inspetor
Macunaíma. Nesses outros três espaços, através das bandeiras das portas,
feitas de vidro transparente retangular colocado à altura dos olhos de
pessoas de média estatura, era possível verificar a ausência de quaisquer
pessoas e constatar a impossibilidade de existir algo que pudesse estar de
qualquer maneira associado à morte do infeliz Ventura Marques. Não faltaram, porém, as
insinuações que são frequentemente habituais em situações desta natureza. Um
ex-colega de Ventura Marques fez questão de dizer que as relações deste com
Jorge Cunha não eram as melhores. Um funcionário da empresa de congelados revelou
haver entre uma colega sua e a vítima um caso amoroso secreto, que era muito
comentado internamente em surdina. O sócio gerente da empresa confirmou
conhecer este caso de adultério, que há muito o preocupava sobremaneira por o
marido da funcionária ser um sujeito muito ciumento e bastante agressivo. A
mulher da vítima confirmou as dificuldades de relacionamento existentes entre
o seu marido e o colega Jorge Cunha e admitiu também desconfiar de que a
forma como Ventura Marques se referia a uma tal Leninha da empresa de
congelados podia esconder um qualquer sentimento muito mais forte do que
admiração profissional ou amizade pessoal. Mas a verdade é que o
inspetor Macunaíma parecia ter desvalorizado completamente estes depoimentos
quando se sentou no seu gabinete para redigir o relatório da ocorrência… |
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© DANIEL FALCÃO |
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