Autor

D. Chicote

 

Data

Março de 1983

 

Secção

Clube Xis [8]

 

Competição

Iº Campeonatos Distritais de Decifradores de Problemas Policiários

2ª Jornada

 

Publicação

Clube Xis

 

 

VOLTOU-SE O FEITIÇO CONTRA O FEITICEIRO

D. Chicote

 

PORTIMÃO, 5 – Passou-se nesta cidade um caso curioso que, agora já totalmente desvendado, podemos relatar em pormenor aos nossos leitores:

António Tecla é um metódico empregado de escritório de uma empresa nortenha de construção civil e dirige a sua delegação em Portimão. Na passada quarta-feira, dia 2 de Março, deslocou-se à sede, como habitualmente, para prestação de contas mensais e, logo de manhã, aproveitou para pedir ao patrão um substancial aumento de ordenado, pretensão que não foi atendida.

Nitidamente revoltado com a recusa do patrão, que de certo modo já esperava, o senhor Tecla dirigiu-se a uma tabacaria, comprou uma folha de papel selado e uma bolsa de plástico onde cuidadosamente a guardou, passou de seguida por um supermercado, onde comprou pão e fiambre, tendo voltado à sede da empresa, aí permaneceu durante a hora do almoço, depois de mostrar aos colegas as sandes que ia comer.

Ninguém desconfiou. Quando se apanhou só, tirou da pasta a bolsa de plástico com a folha de papel selado e ainda um sobrescrito vulgar, formato normalizado, que religiosamente guardava à quase um ano, para o dia em que pudesse ser necessário. Chegara esse dia.

O sobrescrito, timbrado, era da firma e fora-lhe endereçado, sob registo, com uma qualquer declaração, pedida pelo telefone e que, dada a urgência, nem levou carta a acompanhá-la. Lembrava-se bem desse pormenor. E dava-lhe, agora, uma certa liberdade. Pegou no sobrescrito: na frente, além do timbre do patrão e do seu nome e morada, o selo do registo e os respectivos selos postais, inutilizados com um carimbo muito borrado, lendo-se dificilmente o nome da estação dos correios e a data. Mas, no verso, lá estava, bem redondo e preto, um carimbo dos CTT com a data de 19.III.82.

Foi esta a data que o António Tecla pôs nos documentos que decidiu falsificar. Na folha de papel selado forjou um contrato-promessa de compra e venda. Pôs o seu nome como primeiro outorgante, o do patrão como segundo e, folha abaixo, escreveu que se comprometia a comprar, por quatro mil contos, uma das vivendas em construção na Praia da Rocha, tendo entregado naquela data, como sinal e princípio de pagamento, metade da importância, de que o patrão dava quitação. A moradia ser-lhe-ia entregue no prazo máximo de dez meses, vencendo-se a partir daí, a multa de cem contos por dia. Depois assinou e, na linha abaixo, imitou a assinatura do patrão.

Para dar mais veracidade ao seu plano, dactilografou também uma carta, dirigia a si e em papel timbrado da empresa, nela referindo ter recebido os dois mil contos e estar remetendo o contrato, já assinado. Antes, porém, teve o cuidado de verificar que estava utilizando a mesma máquina de escrever que endereçou o sobrescrito e, na carta, além de assinar também pelo patrão, pôs ainda o carimbo da firma. Tudo perfeito.

Juntou a carta e o papel selado, colocou o sobrescrito por cima, no canto superior esquerdo, prendendo com um agrafe e, cuidadosamente, para que nada se sujasse, meteu tudo na bolsa de plástico e guardou-a na pasta. Esperou que os colegas chegassem, despediu-se deles e regressou ao Algarve.

Ontem, o nosso homem foi ao escritório de um advogado, com vista à reivindicação judicial da moradia e de uma indemnização pelo incumprimento do contrato. Informado de que não seria bem sucedido, em virtude de o contrato não obedecer aos requisitos legais, decidiu levar ele, sozinho, o caso por diante. Dirigiu-se ao posto da PSP, entregou a bolsa de plástico com o sobrescrito e as duas folhas, direitas, impecáveis, e apresentou queixa contra o patrão.

Foi então que, voltando-se o feitiço contra o feiticeiro, António Tecla ficou detido, acabando por confessar os factos.

 

Pergunta: Em que se baseou o comandante do posto, para deter o senhor Tecla?

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO