Autor

Detective Said

 

Data

27 de Maio de 1982

 

Secção

Mistério... Policiário [354]

 

Competição

Torneio “Dos Reis ao S. Pedro” - 82

Problema nº 9

 

Publicação

Mundo de Aventuras [450]

 

 

O INSPECTOR ERA MELÓMANO

Detective Said

 

O inspector Colman , o homem enciclopédico como era conhecido entre os colegas da Scotland Yard, considerou, um tudo nada desapontado, que o dia fora totalmente desprovido de emoções. E ele amava demasiado a aventura e o imprevisto para se confinar a uma rotina demolidora.

Lá fora tudo era bruma. Um nevoeiro tipicamente londrino precipitara o cair da noite sobre a grande cidade.

De súbito, precisamente às 20,15 horas, o telefone retiniu imperiosamente no silêncio do gabinete e tudo mudou como por encanto. O homem de acção adivinhou algo de grave naquela chamada imprevista e, mais uma vez, os factos vieram confirmar as suas previsões. Do outro lado do fio a notícia surgiu lacónica e brutal: Haydée Stilwel aparecera morta nos seus aposentos do Pendbury Hotel e tudo fazia supôr que se estava na presença de um crime.

O Inspector não era tão leigo em assuntos de música que não associasse imediatamente o nome da vítima à jovem violinista australiana que arrebatara Londres com o seu virtuosismo de grande intérprete.

Os eficientes serviços de Scotland Yard funcionaram maravilhosamente e, em pouco tempo, a Brigada de Homicídios, sob as ordens de Colman, fez-se transportar ao Hotel onde foi recebida per um gerente atemorizado cujo discurso batia insistentemente a mesma tecla, ou seja o prestígio do estabelecimento seriamente ameaçado com a perspectiva de um escândalo. O Inspector prometeu conduzir as investigações de maneira discreta.

O próprio gerente foi adiantando o que sabia do caso, enquanto a pessoal da Brigada examinava atentamente a cena do crime: uns dez minutos antes de ter solicitado a intervenção da Polícia fora abordado por um outro hóspede do Hotel, o francês Maurice Leduc, o qual se manifestava surpreendido por Haydée não atender a chamada telefónica que estava fazendo para o seu apartamento, sendo certo que no serviço de recepção o tinham informado de que ela não saíra durante todo e dia. Isto foi o ponto de partida para a descoberta do crime. Encontrarem fechada a porta do quarto e só depois de terem utilizado o duplicado da chave puderam verificar o trágico acontecimento.

O Inspector atribuiu grande importância a esta nova personagem e convocou imediatamente Maurice Leduc para prestar declarações. Este apresentou-se a Colmen e ficou a saber que era ele o pianista que acompanhava habitualmente a jovem artista nos seus recitais. E acrescentou, demonstrando grande emoção:

– Ontem à noite, à hora do jantar, tive uma pequena discussão com Haydée e separamo-nos zangados. Esta tarde resolvi assistir ao concerto do Trinity Hall, pois tinha grande interesse na audição da Sinfonia Patética do Tchaikovsky que estava incluída no programa. Não sei porquê, no final da execução, os acordes plangentes do Adágio Lamentoso despertaram em mim tristes pressentimento. Fiquei tão impressionado que decidi não assistir à 2ª parte do concerto e regressei ao Hotel para tentar uma reconciliação com Haydée. Depois de lhe telefonar sem qualquer resultado, dei parte das minhas apreensões ao gerente e o resto já é do conhecimento do Inspector.

Colmam quis saber quanto tempo demorara a chegar ao Hotel, respondendo o pianista que apenas dez minutos, pois a distância não era grande e ele tinha pressa em falar com Haydée.

Entretanto o médico legista anunciou as primeiras conclusões a que chegara. A jovem fora vítima de estrangulamento e defendera-se desesperadamente, como o provava a desordem dos móveis. A morte ocorrera duas horas antes; ou seja cerca das 19 horas.

O Inspector notou um pequeno arranhão na face direita do francês e quis saber o motivo de tal ferimento. A resposta de Leduc surgiu rápida:

– É triste dizê-lo, Inspector, mas a nossa discussão de ontem à noite foi… como direi… um pouco tempestuosa. Em dado momento, Haydée não levou a bem certa observação que lhe fiz e não se coibiu de me pregar uma estalada, isto na presença dos outros hóspedes. As suas unhas demasiado aguçadas produziram-me este pequeno arranhão. Resolvi sair imediatamente, pois não podia suportar a humilhação sofrida em público.

O gerente confirmou esta parte das declarações de Leduc, acrescentando que o incidente tivera lugar na sala de jantar do Hotel e provocara grande agitação entre as pessoas que assistiam à cena.

O Inspector pediu que lhe trouxessem o jornal do dia e leu na 2ª página do «Times» que estava anunciado para as 7,30 p. m., no Trinity Hall, um concerto cuja primeira parte era totalmente preenchida com a Sinfonia Nº 6, opus 74, em si menor de Tchaikovsky.

Colman conhecia bem esta obra do autor da abertura-fantasia Romeu e Julieta, aliás um dos seus compositores favoritos. Evocando a Sinfonia Patética, com os seus quatro andamentos tão contrastantes entre si, não tinha dúvidas em identificar-se com Leduc quando este descrevia a atmosfera angustiante criada pelo Adágio Lamentosa. O último andamento da Sinfonia sugeria efectivamente um ambiente de tragédia.

O olhar do Inspector perdia-se nas espirais azuladas que se evolavam do seu cachimbo. Sob a rigidez profissional, não podia esconder a emoção que a morte da jovem violinista lhe provocava. O autor de tão nefando acto cometera na verdade um crime de lesa-arte e merecia ser punido com o maior rigor.

– Diga-me Mr. Leduc – a voz de Colman quebrou abruptamente o silêncio que se estabelecera por momentos – pode confirmar de maneira absoluta a sua presença no concerto desta tarde?

O pianista não se desconcertou:

– Infelizmente, Inspector, só posso apresentar o meu bilhete de ingresso – e ao mesmo tempo exibiu o fragmento de um bilhete da 8ª fila, nº 26. Demorei-me por outro lado no bar e quando ocupei o meu lugar já a Orquestra tinha iniciado os primeiros acordes. Duvido que na meia escuridão da sala alguém me tivesse reconhecido. No final da primeira parte, como lhe disse, regressei ao Hotel, não tendo oportunidade de falar com qualquer outra pessoa.

Colman ouvia as palavras do seu interlocutor como num sonho. O seu pensamento andava longe. Vinha-lhe à ideia a figura gentil de Haydée e era-lhe penoso encarar a triste realidade. Acercou-se da janela e olhou para o exterior. O nevoeiro dissipara-se mais, permitindo divisar o movimento nocturno da grande urbe. Da mesma maneira a Justiça ia levantar mais uma vez o véu do mistério.

– Mr. Leduc, considere-se preso sob a acusação de assassínio de Haydée Stilwel.

 

E agora é a altura de perguntar a todos os nossos amigos.

1º – Concorda com a decisão do Inspector?

2º – Fundamente as suas conclusões e diga o que se lhe oferecer sobre o caso.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO