Autor Data 20 de Abril de 2019 Secção Competição Prova nº 9 Publicação Audiência GP Grande Porto |
FIASCO Detetive Jeremias 1
– Factos A 12 de Maio de 2018, no
lugar conhecido entre nós como casalinho dos Cadimas, foi vandalizada uma
habitação isolada durante a ausência temporária da sua proprietária. A GNR foi chamada ao local às 23h57 por Luísa Lourenço,
que declarou ter saído por volta 17 horas na companhia de uma prima, para
assistir a um espetáculo no Parque das Nações. De regresso, verificaram que a
porta de entrada estava aberta e as divisões revolvidas: armários, gavetas e
prateleiras com o conteúdo espalhado pelo chão, cama e sofá esventrados. Só o
interior da casa foi alvo dos malfeitores. A vítima, que é viúva e vive sozinha,
garantiu que os bens mais valiosos − dinheiro e o pouco ouro −
estavam a salvo. Não tinha ainda tido tempo de verificar, mas à primeira
vista parecia não faltar nada. A pequena habitação é composta por sala,
quarto, cozinha e casa de banho. 2
– Reflexões Personagem A Mas como é que eu caí no
conto do vigário? Recebi anteontem pelo correio dois bilhetes para a Grande
Final. Vinham com um cartão: “Oferta de Amigos”. Para mim foi melhor do que
ter ganho o Euromilhões. Valha-me Deus! Os bilhetes
estavam mais do que esgotados e nem nunca me passaria pela cabeça gastar
tanto dinheiro. Mas agora, pensando bem, os lugares que nos ofereceram eram
dos piores, dos mais baratuchos. É claro que me queriam fora de casa para
poder deitar a unha ao dinheiro da venda dos pinheiros. Não é segredo para
ninguém a boa maquia que recebi. Nem queria acreditar quando vi a casa
naquele estado. Felizmente não descobriram o cordão de ouro e as notas de 200
na lata do café. Personagem B Deixaram-me aqui com pouco
ou nada para me entreter. Fiquei deitado ao sol, todo esticado. Bebi água e
depois fui para a sombra, porque fiquei com calor. Lá em baixo anda alguém a
cortar silvas com uma roçadora e o barulho está a zoar-me nas orelhas. Já não
se pode estar tranquilo. Agora é o chiar da corrente de uma pasteleira. Parou
ao portão. Quem vem lá? Olá… Cheira-me a alguém. Ena pá! Grande osso! Personagem C Coitada da Luisinha. É como
uma irmã para mim e a minha melhor amiga. Estava tão feliz por ter
concretizado um sonho e acabou o dia daquela maneira. Chegámos seriam umas 11
e meia, ficámos desconfiadas com a porta escancarada e tememos o pior, quando
vimos tudo espalhado. A Luisinha ficou branca como a cal e só voltou a ganhar
cor quando verificou que não tinham levado o dinheiro. Ligou logo para a
guarda. Personagem D Foi agora de manhã que o
prior me contou do assalto lá p’ra casa da
Lourença. Bom, ela de nome é Luísa Lourenço, mas todos aqui a conhecemos por
Lourença. Ontem à tarde andava por ali perto, a roçar as silvas e “haveriam”
de ser umas sete e picos quando vi ir p‘ra casa
dela um “gabirú” de bicicleta. Estranhei. A
Lourença tinha ido p’ra Lisboa de carro com a
prima. Como “Despois” “nã” ouvi o Pirata ladrar e
entendi qu’ era alguém conhecido. ‘Tou velho, mas sei o que vi e por isso resolvi vir aqui à
guarda. Personagem E É sempre a mesma tetra. Qualquer roubo nas redondezas e o culpado sou
eu. É o azar de ser apanhado e ter ido 9 meses de cana. Agora, quando
desaparecem coisas, sejam galinhas ou castiçais de prata o culpado é aqui o “je”. Ando a ver se me endireito, mas a coisa não está
fácil. Para roubar a Lourença é só esperar que saia e ir à lata do café.
Trabalhei lá nas obras da cozinha e, quando ela me pagou, bem vi onde
guardava o guito. Personagem F Deixa-me cá respirar fundo
para ficar calmo e não levantar suspeitas. Afinal não consegui roubar o
dinheiro. Raio da Lourença! Ou meteu os euros no banco, ou deu-os a alguém
para guardar. Tantas horas perdidas… e nada. Também tinha de sair dali. Elas
já deviam estar de volta. De Lisboa até aqui é um pulinho. Tanta coisa e só
tive prejuízo: o dinheiro que investi nos bilhetes, no osso e nas luvas. Tanto
empenho e planeamento para nada. 3
– Epílogo Carreira era um sargento
novato, mas era da terra. Conhecia pessoalmente os envolvidos e tinha ideia
do que se passara neste caso. Havia uma vítima, testemunhas com dados
importantes − a Lina e o velho Tripeça − e uma luva, com
impressões bem definidas no interior, possivelmente usadas pelo infrator.
Havia também suspeitos, dois mariolas, conhecidos no meio por Tó Pichelingue e Nélson Miolos. Agora estava na altura de a
investigação avançar e de recolher elementos de prova para identificar o
culpado. Tivesse o Carreira acesso
aos “pensamentos íntimos” dos intervenientes acima registados e tudo seria
mais fácil… |
|
© DANIEL FALCÃO |
||
|
|