Autor Data 6 de Março de 2011 Secção Policiário [1024] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2011 Prova nº 3 (Parte I) Publicação Público |
APRENDIZ DE CRIMINOSO Felizardo Lopes Eu
não era, nunca fora, um ladrão, ou de qualquer outra forma um infractor das normas que regem a sociedade – salvo,
claro, aqueles pouco significativos pecadilhos que todos nós uma vez ou outra cometemos. Mas a vida, melhor, as suas
vicissitudes e ironias do destino tem destas coisas. E agora ali estava, não
o Fernando Simplício que sempre fora, mas o preso 1432, a minha nova
identificação neste estabelecimento prisional onde me encontro a cumprir a
pena a que fui condenado… A
transposição da existência modesta, difícil mas honesta, para o lado da
marginalidade cujo ferrete passei a carregar ao ser julgado e condenado,
ocorreu num ápice – foi um rápido transpor da fronteira do bem para o mal. A
sociedade estigmatiza facilmente aqueles que, como eu, infringem as suas
regras. Não que alguns não o mereçam, pela gravidade e para reiteração dos
seus crimes, mas casos há que deviam merecer um pouco mais de atenção e
compreensão (digo eu, talvez a puxar a brasa à minha sardinha…). É que, actos de roubar e matar são sempre crime, seja como e por
quem forem cometidos, mas muitas vezes quanto diferentes são nas suas
motivações, gravidade e responsabilidade… Mas
aqui, na prisão, encontram-se todos, o assassino sem escrúpulos nem sentimentos;
aquele que matou acidentalmente ou em defesa própria e dos seus; aquele que
roubou insignificâncias, em momentos de desespero, para poder dar de comer
aos filhos; e os que o fazem aos milhões (neste caso não roubar, mas
“desviar”, embora estes, há que dizê-lo, passem muito pouco por aqui, não
porque não sejam muitos…); os burlões que, sem qualquer réstia de escrúpulos,
se apoderam das economias de toda uma vida de idosos crédulos que se deixam
levar nos seus “contos”, etc., etc. Aconteceu.
Sempre, como disse, me pautara por uma conduta séria de vida. Até que um dia…
Perdera o emprego, já há algum tempo. A idade – e a crise – dificultaram o
que noutros tempos não teria constituído drama. Os problemas foram-se
avolumando, reduzindo as esperanças e cimentando o desespero… Vira
na televisão a notícia de que os bancos haviam registado lucros de muitos
milhões… A ideia surgiu-me – e se… Repudiei-a,
primeiro, mas ela foi-se infiltrando, avolumando… E, de um momento para o
outro, aconteceu… No
banco, tremendo perante o caixa, apontei-lhe a arma e ordenei-lhe que me
entregasse todas as notas. Há, na vida, momentos de sorte e de azar. Comecei
por desfrutar da primeira, duplamente: assaltante primário, não programei
aquele acto para qualquer momento mais propício,
mas o acaso acabou por me proporcionar uma “receita” significativa porque,
minutos antes, se havia registado uma operação de depósito em numerário de
razoável valor; depois também porque a fuga, imediatamente encetada na
motorizada que deixara no exterior, decorreu com êxito – não obstante ter
sido presenciada por algumas pessoas que se aperceberam da situação. O
reverso da medalha chegou porém pouco depois, como receava. Através de
informações transmitidas por aquelas pessoas e pelo caixa do banco, relativas
ao meu aspecto físico, idade aparentada,
indumentária, forma como me transportei, etc. – e não sei se ainda por outros
motivos – no dia seguinte fui preso. O azar, o reverso, começara. Antes
tive o cuidado de esconder as notas. Fui pressionado, quase até ao limite,
durante bastante tempo, para confessar o seu paradeiro. Resisti sempre, e
eles também não as encontraram. Imaginei então que, não sendo descoberto o
produto do roubo, faltando a sua prova material, a condenação não poderia ser
muito gravosa. Recordava alguns casos semelhantes de que havia tomado
conhecimento pela imprensa (recordam-se do caso da Joana Cipriano, menina
desaparecida em Tavira, cuja mãe, acusada de a ter morto, nunca confessou?). Hoje
já tenho dúvidas se, com essa atitude, procedi bem ou mal; fui julgado e não
deixei, por isso, de ser condenado – o que com aquela também aconteceu… Os factores incriminatórios eram bastantes, e foram
considerados suficientes. E
aqui estou hoje, nesta prisão, autêntico ABC do crime, a expiar a minha pena.
Nestas casas quem entra primário sai muitas vezes “diplomado” nas mais
diversas técnicas da vida marginal, porque nos confrontamos aqui com todos os
tipos da pior condição humana: assassinos, ladrões profissionais, burlões, falsários,
traficantes, chantagistas, tudo. E nas horas de convívio conjunto, ao longo
dos dias, meses, anos a escutar conversas, narrativas de experiências – e
como alguns fazem gala em exaltar os seus “feitos”! – vai-se
adquirindo um caudal de conhecimentos das actividades
marginais, mesmo que não os desejemos especialmente, que transformam muitas
vezes as personalidades de mente mais fraca. É o carteirista que ensina como
“palmar uns cabedais aos guiras, no montado” (roubar
carteiras aos turistas, no eléctrico); o ladrão de
carros, com quem se pode aprender não só a técnica de os roubar (abrir as
fechaduras e fazer as ligações directas) de uma
forma simples, mas também ficar a conhecer quais as marcas mais vulneráveis
para o efeito; o burlão que se vangloria dos seus vastos conhecimentos quanto
à forma de enganar o próximo (e algumas fórmulas são tão engenhosas!); o
traficante de droga que dá algumas pistas sobre o exercício da actividade e que, se estivermos interessados, mesmo no
interior da cadeia nos fornece, etc. Um
outro, “hóspede” recente, surpreendeu-me pela riqueza dos seus conhecimentos,
que não faz rebuço em exibir e transmitir, numa área que para mim era pouco
conhecida: a das escritas secretas, tintas invisíveis – vulgo “simpáticas”
(sabiam que escrevendo com sumo de limão o texto fica invisível, reaparecendo
quando submetido ao calor?), criptografadas, etc. Porque achei a matéria
muito interessante tenho “forçado” umas aulas práticas, que ele, reconhecido
pela atenção do principiante, me tem ministrado com evidente lisonja. Já
aprendi um razoável número de coisas na área. É interessante e, sobretudo,
ajuda a passar o tempo, que até é tão longo… Resolvi entretanto fazer agora,
sozinho, umas experiências práticas para testar os conhecimentos adquiridos. Resultou
bem. Acabo de construir a seguinte mensagem criptográfica que depois de
descodificada revela o local onde escondi o produto do roubo:
NSATOLEIOSOERHLSTOIRVOEOATNIETVR. Todavia,
porque tal revelação não pode cair em mãos estranhas (segredo que tanto me
custou a preservar!), vou destruí-la, queimando-a amanhã, no exterior da
cela, durante o recreio. Não
interessa agora como este texto veio cair aqui. Interessa, sim, saber se os
nossos amigos “detectives” do PÚBLICO Policiário
conseguem ou não obter a revelação que ali é feita, sendo que, no mesmo,
encontra-se tudo quanto é necessário para descodificar com êxito tal
mensagem. Leiam-no com atenção, interpretem, encontrem as directrizes
e… boa sorte. |
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© DANIEL FALCÃO |
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