Autor Data Setembro de 2004 Publicação (em Secção) |
UM CASO SINGULAR Gustavo José Rodrigues O
meu carro seguia em marcha moderada, o mesmo acontecendo com os dois veículos
que me precediam – um carro baixo, de linhas aerodinâmicas e um camião de
mudanças, que dir-se-ia absorver com a sua altura o carro da frente. A
meu lado, o inspector Machado criava uma atmosfera
alegre com as suas curiosas observações. De
súbito virei a cara, espantado, para a direita, onde, no passeio, um homem
alto e bem vestido, que seguia na mesma direcção do
automóvel, depois de dar duas voltas sobre si mesmo, caiu redondo por terra,
como que fulminado. Instintivamente, e logo que o inspector
Machado se apeou lesto, decidi continuar a marcha e seguir os outros dois
carros. Assim fiz. E se depressa alcancei o camião, já o mesmo não aconteceu
com o outro veiculo que, mais veloz que o meu, cada vez se distanciava mais.
A certa altura começou a abrandar e eu pude, então, ver a matrícula. Anotei-a
rapidamente, sob a do camião, e voltei a grande velocidade para o local do
acidente. O
inspector Machado, rodeado de alguns curiosos,
poucos, pois a rua era pouco concorrida, debruçava-se sobre um corpo, assim
como um polícia de giro. Aproximei-me.
Da cabeça da vítima o sangue brotava abundantemente. Indisposto
com tão triste espectáculo, afastei-me um pouco. As
janelas das casas próximas eram todas altas e não tinham persianas – o género
de habitações antigas. Começava a sentir-me um pouco melhor quando o inspector me fez um sinal e se encaminhou para o
automóvel. Entrámos e afastámo-nos do local em silêncio. –
Naquele instante passavam alguns peões? – perguntei
ao inspector, mal nos acercamos do edifício
policial. –
Sim. Um que seguia um pouco atrás do pobre homem e que se preparava para o
ultrapassar. –
Viu-o? –
Absolutamente. Seguia colado à parede, pois o passeio é bastante estreito. No
outro não reparei porque ia muito à frente, quase no outro extremo da rua. Entretanto,
tínhamos chegado ao gabinete do inspector. Ali,
depois de atirar o casaco para uma poltrona, o inspector
perguntou-me: –
E por que esperas, meu rapaz? Tomaste conta da ocorrência?... –
Claro – disse eu, ligeiramente perturbado. – Aguardemos, porém, o relatório
médico. Decorrida
quase uma hora, uma ordenança entrou no gabinete, portadora do relatório pelo
qual eu tanto ansiava. O
inspector leu-o rapidamente. Finda a leitura,
acendeu um cigarro e pôs-se a passear de um lado para o outro. –
Toma, meu rapaz – disse, estendendo-me o relatório. – É fácil, mesmo muito
fácil. A bala alojou-se à direita, junto à sutura do parietal com o temporal.
Foi disparada à distância de quatro a seis metros. A sua trajectória
fez-se na oblíqua ascendente. Não
tive necessidade de ler o relatório. O meu amigo inspector
poupara-me esse trabalho. Na verdade, o caso era fácil. –
Exacto – disse o inspector,
após ter escutado as minhas deduções. Exacto… Pergunta-se:
Quem matou? Descreva, pormenorizadamente, a sua dedução. |
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© DANIEL FALCÃO |
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