Autor Data 2 de Junho de 2021 Secção Policiário [74] Competição Torneio do Centenário do Sete
de Espadas Prova nº 5 – A Publicação Sábado [892] |
3 PI Imémore Estava
a arrumar papéis antigos, coisas já com uns bons anos, e encontrei notas de
um caso antigo, já com mais de 10 anos. Não que tenha sido particularmente difícil
de resolver, mas foi dos primeiros casos que investiguei e, como tal,
ficou-me muito na memória apesar de o termos resolvido no próprio dia em que
o corpo foi descoberto. O
caso aconteceu no inverno, uma altura do ano que então, tal como agora, me
desagrada particularmente: frio, vento ou chuva teimam em aparecer
individualmente ou em simultâneo. Ainda assim, a minha disposição até era boa
pois já tinha passado mais de metade da estação e, talvez por isso, o tempo
nem estava muito agreste. Alice
fora encontrada esfaqueada no último andar de um edifício estreito de 2 pisos
nos arredores de Lisboa. Cada piso tinha um pequeno apartamento. Mais tarde
foi confirmado que teria sido morta por volta das 9h15 da véspera. Não havia
sinais de arrombamento da porta pelo que tudo indicava que o assassino ou
tinha a chave ou tinha sido convidado a entrar. A
vítima era uma estudante universitária de Matemática que partilhava aquele
apartamento com Joana, estudante de Psicologia. Alice era uma rapariga cheia
de vida que contagiava com alegria quem a rodeava, muito bonita e com uma
elegância que preservara dos muitos anos em que praticara ginástica a um
nível de competição. Foi
Joana quem encontrara o corpo quando chegou depois de uma ausência de alguns
dias e, quando falei com ela, estava visivelmente transtornada. Ela disse que
a tinha avisado várias vezes para não exagerar nos jogos que fazia com os
aspirantes a namorados porque um dia aquilo podia correr mal, mas também
nunca pensou que pudesse chegar àquele ponto. Joana achava que ela provocava
e divertia-se a ver os homens digladiarem-se pela sua atenção. Muitos eram os
rapazes que se esforçavam por conquistar o afeto de Alice e Joana fez uma
longa lista de aspirantes, dos quais se destacavam os vizinhos do 1º andar,
os irmãos Rudolph e Randolph, ambos estudantes de
Economia nascidos em Londres, mas filhos de portugueses. Era habitual
aparecerem por casa, fosse a pedir ajuda com alguma questão de Matemática
para a qual Joana duvidava que precisassem de auxílio, para convidar Alice
para almoçar ou simplesmente para lhe mostrar algo que tinham visto num
jornal. Quando
Joana falara com Alice antes de se ausentar, esta dissera-lhe que os irmãos
tinham começado a dar-se mal entre si e que lhe teriam feito um ultimato para
que ela se decidisse por algum deles. Joana diz que eles, como a maioria dos
outros aspirantes, tinham percebido mal o filme pois ela não iria escolher
nenhum deles. Quando estávamos a terminar, Joana lembrou-se que Alice era
muito organizada e se tinha combinado com alguém para aquela fatídica manhã
então isso estaria marcado na sua agenda, embora pudesse ser complicado lê-la
pois ela usava estranhas abreviaturas e códigos. Randolph encontrámo-lo em
casa, tinha saído na segunda-feira à noite para ir ter com uns amigos à
cidade de Torres Vedras e só na madrugada de quarta-feira regressara, tendo
aí estado desde então. Mais tarde os seus amigos confirmariam ter estado com
ele durante esse período de tempo e ainda acrescentaram consensualmente que
quanto mais bebia mais falava de Alice. O irmão não estava, Randolph disse que não sabia nem queria saber dele. O
vizinho do R/C, um professor de Matemática que era sobrinho do dono do prédio
e por ele recebia as rendas, confirmou que o relacionamento dos dois irmãos
não andava famoso e era comum ouvir discussões ruidosas, mas também comentou
que a convivência entre Joana e Alice já conhecera melhores dias. Sobre a
vítima mostrou-se muito abalado, tudo indicava que também ele cedera aos
encantos de Alice. Quando questionado sobre o seu paradeiro na manhã do dia
anterior, disse que tinha estado ausente, na assembleia de apuramento geral
do referendo nacional, não fazendo ideia se Alice poderia ter ou não recebido
visitas. Questionado sobre se tinha visto os irmãos recentemente, disse que Randolph, que era habitual ficar muitos dias sem o ver
pois era tipicamente notívago, lembrava-se de com ele se ter cruzado na
entrada do prédio na 2ª feira – ia a sair vestido de mulher, mas de uma forma
bem desleixada como se não quisesse convencer ninguém. Já sobre Rudolph disse
que era muito certinho ao ponto de ser obsessivo e, como em todo o fim de
tarde do vigésimo dia do mês, batera-lhe à porta para pagar a renda.
Confessou-se surpreendido pois sendo um dia especial achou que desta vez
pudesse aparecer para pagar só no dia 21. Acrescentou que notou que ele ia
carregado com uma grande mochila, aparentemente ia viajar e, quando abriu a
carteira, apercebeu-se que tinha um bilhete de avião. O
namorado de Joana confirmaria que ela estivera com ele nos últimos dias e
apenas se separaram quando a deixou à porta de casa, instantes antes de
encontrar o corpo. Confirmámos também a presença do professor no tribunal e
apurámos que Rudolph apanhou um avião para Londres duas horas depois de falar
com o professor e ainda lá estava. Numa das gavetas do quarto de Alice
encontrámos a dita agenda, 9h do dia do crime apenas tinha escrito dois
carateres: um três seguido da letra grega Pi. |
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© DANIEL FALCÃO |
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