Autor Data 12 de Fevereiro de 2006 Secção Policiário [761] Competição Torneio Rápidas para
Experimentar Prova nº 4 Publicação Público |
MORTE NUMA RUA DE LISBOA ANTIGA Inspector Boavida Noite cerrada na Lisboa
antiga. Bairro degradado e desertificado, vampirizado por políticos
corruptos, à mercê de insaciáveis especuladores imobiliários. Rua estreita
com duas faixas de rodagem. No passeio oposto ao sentido do trânsito
ascendente, jaz um homem, caído de bruços, voltado para a frente, para o lado
descendente da artéria. Soube-se depois que se chamava Arménio, era um dos
poucos habitantes das redondezas e tinha mais de sessenta anos. Um pobre
homem só, sem família. O subchefe Pinguinhas acabara de chegar ao local. Dois
homens rodeavam o corpo da vítima. O mais jovem, com cerca de
30 anos, Bernardo de seu nome, foi o primeiro a ver o cadáver. Afirma ele que
quando subia a rua viu passar um carro em grande velocidade, que quase se
despistou por derrapagem na pequena curva da rua, fazendo-se ouvir logo de
seguida um tiro. Apesar do susto, correu em direcção
ao sítio de onde surgira o som do disparo. Diz que ficou siderado quando viu
o homem caído no solo. Não teve reacção para nada.
Ficou ali quedo e mudo, até que chegou o segundo homem. Foi este, o menos jovem,
com perto de 40 anos, Carlos de baptismo, que
telefonou para a polícia. Diz que vinha a descer a rua quando ouviu um
barulho que não identificou logo como som de arma de fogo. Confirma que
passou por ele um carro, veloz. Dois rapazes e suas namoradas gozavam a vida,
em bebedeiras de alegria, trocando beijos ardentes, num passeio de automóvel
demasiado apressado para a segurança de quem ambiciona viver mais para além
daquelas horas felizes. Quando Carlos chegou junto
da vítima já lá se encontrava Bernardo, completamente paralisado por um
pânico tal, que lhe provocou um mal-estar tão violento ao ponto de não evitar
uma crise de vómito. Felizmente, o pequeno chafariz ali existente por perto
permitiu que bebesse um gole de água providencial, que o acalmaria. Carlos
afirma que também não mexeu em nada. Tudo está exactamente
como quando ele chegou. A arma do crime está caída
junto ao cadáver, na berma do passeio. A cápsula está perto do corpo, cerca
de dois metros mais abaixo. Nas costas do morto é perfeitamente visível um
buraco por onde saiu a bala fatal, que acabaria por se alojar junto à valeta
do passeio do lado direito do sentido ascendente da rua. A arma não tem
quaisquer impressões digitais. No peito da vítima, mesmo junto ao coração,
existem queimaduras provocadas pelo tiro e resíduos de pólvora. As suas mãos
nuas apresentam luxações causadas pela queda, contrastando com as muito bem
tratadas e limpas mãos dos dois homens que o “velaram” até à chegada do
subchefe Pinguinhas. A cabeça do morto exibe um
feio hematoma, que, naturalmente, já não lhe dói, em contraste com a cabeça
do nosso ilustre subchefe, que lateja de tanto pensar sobre qual das quatro
hipóteses corresponde à forma como ocorreu a morte do velho Arménio: A – Arménio suicidou-se, por
solidão, desespero e depressão. B – Bernardo matou o velho,
por qualquer razão desconhecida. C – Carlos era um dos
ocupantes do carro, de onde foi disparado o tiro, e voltou ao local do crime
para se certificar da morte de Arménio. D – Um dos jovens do automóvel
disparou sobre o velho e atirou a arma para junto do cadáver, pondo-se de
seguida em fuga acelerada. |
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© DANIEL FALCÃO |
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