Autor Data 13 de Fevereiro de 2011 Secção Policiário [1021] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2011 Prova nº 2 (Parte II) Publicação Público |
QUE ESTRANHA PESCARIA!... Inspector Boavida Angélica
andava inconsolável. Há cinco dias que não via o seu novo namorado, nem ele
dava sinais de vida. A última vez que estivera com ele fora junto à margem do
rio, num sábado de sol radioso. O Jorge não era muito popular no lugar.
Arrastava consigo um passado de pequenos delitos nas redondezas e de
discussões e confrontos violentos quase constantes com a gente da terra, não
se lhe conhecendo um emprego, uma ocupação digna. Mas Angélica perdera-se de
amores por ele, deixando para trás um namoro de cinco anos com um rapaz
pacato e trabalhador, de bom trato e querido por todos, carinhosamente
tratado por Zezinho. Mas o Jorge era especial. Jorge,
na intimidade, era meigo, terno, de falas doces… e beijava como ninguém!
Naquele passado sábado, Angélica experimentara sensações nunca antes vividas
em toda a sua vida de 18 inocentes anos. Embalada
pelo borbulhar das sempre mansas e baixas águas do rio e aconchegada pelos
quentes raios de sol que pincelavam de ouro o fresco verde das árvores, ela
deixara-se ir ao fundo dos sonhos em que mergulhara na tarde calma. Se alguém
que não os pássaros ou os peixes pudesse testemunhar o que acontecera no chão
verdejante, por entre duas árvores frondosas que não deixavam ver o céu, Angélica
seria desgraçada na boca do povo. Por
volta das seis da tarde ela regressou a casa, para não faltar ao prometido a
seu pai. Mas cedo se arrependera. Quando lá chegou, ele ainda não tinha
voltado da taberna do Chico da Nora, onde os homens mais velhos da terra
gastam o seu tempo livre. Ainda pensou voltar de novo ao rio, ao leito de
erva macia onde se abandonara aos braços fortes do Jorge, mas teve receio de
se cruzar com o seu velho pai. Mal ela sabia que já corriam rumores do que se
passara durante a tarde junto ao rio. Algum
tempo depois, o pai entrou em casa desvairado, gritando que nem um doido
“Acabou-se! Acabou-se!” E ela ali sozinha, sem poder contar com a defesa do
seu Jorge. Durante
cinco dias, Angélica chorou a vergonha e a solidão. O
pai, quando não estava em trabalho no campo ou a afogar as mágoas ao balcão
do Chico da Nora, não se cansava de a amaldiçoar. Ele, que tudo fizera para
que ela escolhesse um de três rapazes da terra, que dela tanto gostavam,
jamais aceitou o Jorge como genro. Zezinho era o seu preferido e ele quase
casou com ela. Mas os outros dois também não eram moços de deitar fora. Um
deles, o Jonas, tinha fama de brigão quando bebia uns copos, mas nem por isso
deixaria de merecer a sua bênção de sogro. Assim como o outro, o Beto, rapaz
robusto, muito amigo de trabalhar, embora pouco brilhante de cabeça. Foi
Beto quem anunciou a descoberta de Jorge… morto! Segundo contou, chegara cedo
à margem do rio, por volta das sete da manhã e por lá ficara durante quatro
horas, na pesca. Quando fez aquele que seria o último lançamento, sentiu a
linha presa e temeu perder a sua chumbada da sorte, uma espécie de talismã
que sempre lhe garantia grandes pescarias. Aventurou-se rio adentro, depois
de largar na margem as roupas que o cobriam, e… ficou aterrorizado com o
pescado. O anzol ficou preso nas costas do Jorge, que jazia no fundo do rio.
Sem grande custo, puxou o corpo do rapaz para terra. Mas nada havia a fazer.
Restava-lhe telefonar para o 112. E assim fez. O
aparato levou quase toda a gente da terra até ao local, que por lá ficou até
quase à noitinha. O subchefe Pinguinhas, que por lá gozava alguns dias de
férias, também apareceu. Angélica desfez-se em pranto, gritando a sua paixão
por Jorge. O pai parecia pouco impressionado com a ocorrência, como se
desejasse secretamente aquele desfecho. Zezinho olhava ternamente para a
rapariga e deixava transparecer uma imensa tristeza nos seus verdes olhos
marejados. Jonas olhava o rio com ar de quem se havia perdido num qualquer
pensamento agradável. Beto, rodeado por um magote de gente que queria saber
pormenores da sua aventura, não se cansava de contar o sucedido. O
subchefe Pinguinhas aproximou-se do grupo que rodeava Beto, ouvindo pela
enésima vez o relato daquela estranha pescaria. “…O Jorge tinha uma corda
atada à cintura, com uma pedra numa das pontas que o puxava para o fundo do
leito. Cortei a corda com a faca da pesca e trouxe-o para cima. O pobre
coitado tinha a nuca toda amassada e coberta de sangue. Já não lhe podia
valer. O seu corpo estava já cadáver. Os homens do INEM disseram não ter
dúvidas de que o Jorge esteve para aí uns quatro ou cinco dias dentro de
água, não só pelo arroxeado do rosto, mas também pelo facto da sua roupa apresentar-se já quase sem cor devido à longa
imersão.” Afastado
da “plateia” que ouvia o relato de Beto, o pai de Angélica olhava o fundo do
rio e esboçava um sorriso enigmático. “Coitado do rapaz” – disse-lhe
Pinguinhas, que ficou atónito com a resposta. “Coitado?! Não faz cá falta
nenhuma neste mundo. Espero que arda no inferno”. Zezinho
aproximou-se da rapariga, tentando confortá-la: “Não chores, Angélica. Ele
não merece as tuas lágrimas. Era um pulha. Eu continuo a gostar de ti. Vou
ficar sempre à tua espera.” A rapariga ignorou-o e desatou de novo num choro
convulsivo, ao mesmo templo que Jonas gritava de raiva e a plenos pulmões:
“Ele era um grande tubarão. Agora é um pequeno peixe… podre!” Um
dos homens da terra tinha que dar grandes explicações à polícia sobre a morte
do Jorge. Qual
deles? A
– O pai de Angélica B
– O Zezinho C
– O Beto D
– O Jonas |
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© DANIEL FALCÃO |
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