Autor Data 7 de Junho de 2009 Secção Policiário [933] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2008/2009 Prova nº 8 Publicação Público |
O INSPECTOR FIDALGO E A MORTE PELA NET Inspector Fidalgo Jorge
Figger é um dos rostos mais conhecidos nos mundos
complexos da Finança e do chamado jet-set. Rico
até mais não, acumula a particularidade de ter
passado por um processo educacional de excelência, nos melhores colégios a
nível mundial, sendo apontado como um dos maiores exemplos de cumprimento das
regras da boa educação e dos protocolos, mesmo os mais rigorosos. De uma
simpatia a toda a prova, não lhe é conhecido um único deslize, quer no
relacionamento com outros vultos da chamada aristocracia, quer nas relações
com empregados ou com o mais comum dos mortais. Por
outro lado, a sua assumida paixão pela asa-delta, de que é exímio praticante,
fá-lo acumular uma enorme quantidade de aparelhos e equipamentos, que agora
estão em exposição pública num armazém da cidade do Porto, o que aumenta a
sua popularidade junto da malta mais radical. Jorge partiu para os Açores. Resolveu sair
pela primeira vez após um acidente relativamente grave, sofrido no dia da
inauguração da exposição e que o retirou da circulação durante cerca de um
mês, tempo em que não saiu da sua mansão, algures para Cascais. Foi ao
encontro da sua namorada, uma açoriana da Horta a quem ia fazer uma surpresa.
Mandou a tripulação preparar o seu jacto
particular, acabado de regressar de uma rigorosa inspecção. Infelizmente
para Jorge, uma violenta tempestade abateu-se sobre a zona e o seu voo acabou
na Ilha do Pico, sendo todo o tráfego proibido, logo a seguir… Na
cidade da Horta, a escassos quilómetros dali, sem nada saber da tentativa de
surpresa, Maria da Graça estava em casa, sentada ao computador, em cavaqueira
informática com amigos. Passava
um pouco das 20 horas e o Inspector Fidalgo estava
sentado num banco corrido, olhando para o monitor de um computador portátil
que emitia imagens obtidas por uma câmara Web, numa gravação iniciada às
10h15. Via-se uma moça bonita, sentada em frente de um computador, que
dedilhava com destreza. De vez em quando erguia o rosto que ficava no
enfiamento da câmara, revelando toda a sua beleza. Subitamente,
ergueu-se e saiu do campo de visão, regressando pouco depois, enquanto um
vulto alto, cerca de 1 metro e 90, envergando uma espécie de fato-macaco de
cor avermelhada, apareceu na imagem, de costas, rumando ao fundo da sala,
onde era visível uma porta que, uma vez aberta, revelou ser uma casa de
banho. O vulto levantou a tampa da sanita e, sempre de costas para a porta,
demorou algum tempo a urinar. Depois, vê-se a accionar
o autoclismo e a virar-se para o seu lado direito, debruçando-se ligeiramente
sobre um lavatório onde lavou as mãos, esfregando-as de seguida contra o
fato, para as enxugar, antes de avançar em direcção
à moça que continuou a dedilhar o teclado até se abater sobre ela um objecto parecido com um pé de cabra e ela desaparecer do
ecrã. Uma segunda arremetida do objecto, desta
feita sobre o computador, fez terminar a transmissão. –
De onde apareceu isto? –
Foi aquele moço, ali ao fundo. Estava a comunicar com a rapariga, que estava
nos Açores, na Horta, quando gravou estas imagens… Até a rádio já fala disso,
parece que mete um tipo da “alta”, tudo se encaixa como uma luva! –
Foi o senhor que registou estas imagens, não é verdade? –
Sim, senhor. –
Porque não veio logo? –
Senhor inspector, só há pouco vi as imagens. Estava
a comunicar com a Graça, mas tive de me ausentar, fui à casa de banho e
depois aproveitei para ir comer alguma coisa. Quando cheguei, já não havia
imagem, julguei que ela se tivesse ido embora e não pensei mais nisso. Ao
ouvir nas notícias da rádio que se tratava da namorada de um conhecido
multimilionário, percebi que era ela e fui ao computador recuperar a gravação
que costumo fazer sempre que me afasto do computador. E vi isto. –
Deixe ver se percebi. O senhor grava as imagens quando tem que se afastar,
mas não grava quando está lá, é isso? –
Sim, senhor inspector. –
E som, não tem? –
Não, só texto e imagem. –
E não teve curiosidade em ir ver se ela tinha mesmo ido embora da
comunicação? –
Não, senhor inspector, é
usual que as comunicações vão abaixo quando há temporais lá. E a Graça
referiu que havia forte temporal. Não estranhei nada. –
Conheceu-a onde? –
Foi minha colega na faculdade e, quando regressou a casa, ficámos amigos e
vemo-nos na Net. A
meia-noite aproximava-se… –
Fui no meu avião aos Açores e tivemos que aterrar no Pico, com muito mau
tempo. Ainda no aeroporto tentei ligar à Graça, mas ninguém me atendeu. Ela
não deixa o telemóvel gravar mensagens. Depois, consegui alugar lá um carro e
fui dar uma volta, passar o tempo, ver se melhoravam as condições
climatéricas. Antes, telefonei a um amigo da Horta, o Vasco, com quem tinha
combinado fazer esta surpresa à Graça e ele atendeu-me. Mostrou-se muito decepcionado e pareceu-me nervoso, mas ouviam-se os
trovões em fundo e a tempestade estava terrível. Talvez fosse por isso…
Depois, a tempestade abrandou bastante mas só me deixaram rumar a Lisboa. Não
consegui nenhum contacto com a Graça e só soube da notícia pela rádio. Estou
arrasado! –
Esse seu amigo… –
O Vasco! É o meu melhor amigo. Foi através dele que conheci a Graça, que era
sua vizinha. É um amante da asa-delta, tal como eu e esteve muitas vezes
comigo em competições e eventos. A última vez que o vi foi na inauguração da
exposição de todos os meus aparelhos, no Porto, quando tive o acidente. –
Já viu as imagens que temos? –
Sim, estou profundamente chocado… –
Vimos fotos suas, em competição, e estava com aquele fato. Exactamente aquele! –
Aquele é o meu fato? Não pode ser, esse está na exposição do Porto, ou pelo
menos devia estar! –
E dos Açores chegou-nos a informação de que uma das suas asas-deltas foi
encontrada escondida a cerca de 100 metros da casa da sua namorada… –
Não é possível! Peço-lhe imensa desculpa, mas isso é impossível! Todo o
material está exposto! –
Pois o seu capacete e o fato estão lá, na Horta, também! –
… –
O seu amigo Vasco tem uma compleição igual à sua e está desaparecido. Não
sabemos dele, ninguém o viu desde ontem à noite. Sabemos também que a
asa-delta, o fato e o capacete desapareceram da exposição logo no seu início,
mas nada foi participado à polícia… –
Senhor Inspector, temos as
confirmações: o controlo aéreo do Pico dá a hora de aterragem às 9h13 e de
levantamento rumo a Lisboa, às 11h50. O espaço aéreo esteve sempre encerrado,
entre essas horas, por causa do mau tempo. Foi o último a pousar e o primeiro
a levantar. O aluguer da viatura foi às 9h35 e a devolução às 11h18. Não
conseguimos ainda confirmar a chamada telefónica que o Jorge diz ter feito
para o Vasco, por erro informático do operador… |
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© DANIEL FALCÃO |
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