Autor

Inspector Fidalgo

 

Data

8 de Outubro de 2017

 

Secção

Policiário [1366]

 

Competição

Campeonato Nacional e Taça de Portugal – 2017

Prova nº 9 (Parte I)

 

Publicação

Público

 

 

A MORTE DO SENHOR AFONSINHO

Inspector Fidalgo

 

O senhor Afonsinho era uma figura singular naquele meio rural onde as famílias ainda ditavam as leis. Não em sentido formal, não havia leis específicas que as famílias criassem e fizessem executar, como é óbvio, mas os subconscientes dos conterrâneos reconheciam imediatamente neles um poder de autoridade em cada palavra que proferiam.

O senhor Afonsinho, está bem de ver, tinha tudo para ser personagem principal de um problema policiário. Era rico, não tinha filhos, vivia numa casona enorme, com requinte e estilo. Enfim, tinha tudo para ser a vítima perfeita, excepto um mordomo, que dá sempre jeito quando queremos explanar um crime.

Mas não vivia sozinho porque havia um batalhão de empregados que cuidavam de cada um dos assuntos que à mansão diziam respeito, mas que só podiam entrar com autorização do próprio, nenhum tinha chave ou acesso sem a sua acção. E esses registos ficavam assinalados, com hora de entrada e de saída. Os únicos dispensados deste ritual eram os seus primos direitos, o Afonso e a Teresinha, que embora não residissem, faziam questão de ali passar longos períodos de boa vida. O Afonso era um rapaz de boa compleição física, mas pouco parecido com o primo, que era homem para cento e muitos quilos de músculos bem trabalhados no ginásio muito bem equipado do piso térreo. O Afonso era mais para o gordo, com uma barriguita teimosa e um gosto para os doces e para a cerveja. A Teresinha era uma moça esbelta e frágil, uma destroçadora de corações, como comentava o irmão, na risota.

O senhor Afonsinho apareceu morto, como é natural e bom num problema policial. Deitado no chão do escritório, um vasto compartimento atulhado de livros, dossiers e folhas avulsas, jornais, revistas e outras coisas mais, num quase perfeito caos. Junto á porta, deitado no soalho de madeira perfeitamente liso e plano, olhando o tecto como se procurasse alguma coisa, o cadáver do senhor Afonsinho aguardava destino. Junto à sua mão direita, estava uma pequena pistola FN 6,35 mm. A toda a volta da cabeça, pintalgando o soalho, havia salpicos de um vermelho acastanhado, com forma oval e laivos na parte exterior, mais estreita, sinais de que alguma agitação houvera por ali, originando a sua projecção. O Inspector mirou e remirou a cena, de vários ângulos, à procura da razão do eventual sangramento, mas estava difícil de encontrar, até que o seu ajudante lhe apontou um pequeno orifício, escondido entre madeixas de cabelo desgrenhado, um pouco acima da orelha esquerda. Era mesmo um pequeno orifício de bordos limpos, mas notava-se que havia queimaduras em seu redor.

– Foi à queima-roupa! – adiantou o assistente – mas foi limpo, limpinho…

– Hum… – resmungou o inspector.

Pelo corredor, até àquele local, viam-se marcas que indiciavam que o corpo fora arrastado e ali deixado… E os sapatos não mentiam, com os calcanhares raspados e danificados:

– Repare, senhor inspector, estas marcas de arrastamento, sem espinhas! Foi morto fora daqui! É só descobrir onde e quem o arrastou!

– Hum…

Perante um incentivo tão importante como esta dupla resposta do inspector, o assistente foi buscar uma maleta e começou a alinhar frascos e frasquinhos:

– Inspector, vamos já tirar as dúvidas… Uma gota de tintura de Guaiaco em cima de uma das manchas, agora uma gota de essência velha de terebentina e… cá está: verde alface!

– Hum…

– Ainda vai mais uma para tira-teimas… Deixe cá ver nesta outra mancha… uma gota de soluto alcoólico saturado de benzidina e a seguir uma gota de água oxigenada e… Verde alface! Ó Inspector, não restam dúvidas, são dois exames diferentes que dão o mesmo, não concorda?

– Hum…

– Ó Inspector, pela primeira vez tenho a certeza de que vou dar cabo de quem fez esta atrocidade, posso mandar chamar os dois irmãos, posso? Mais ninguém aqui pode ter chegado, já confirmamos isso. Se os espremermos bem vamos saber a verdade da própria boca! Posso chamá-los?

– Hum… 

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO