Autor Data 2 de Julho de 2020 Secção Policiário [26] Competição Torneio Sábado Policiário 2020 Prova nº 6 – Parte I Publicação Sábado [844] |
FIDALGO INVESTIGA NO CALOR ALENTEJANO Inspetor Fidalgo O calor teimava em
apertar e ninguém parecia ter a noção exata das dificuldades que se
avizinhavam. O que as pessoas queriam era sol e bom tempo, muita praia e
muitos passeios à beira-mar. Isso sim, era vida boa. O Lito não pensava
assim e procurava meios alternativos para poder defrontar a seca e a miséria
que se aproximava, porque falta de água era coisa que lhe metia muita
impressão. Costumava dizer que “falta de luz é uma tristeza, mas falta de
água é muito pior”. A partir de certo
momento, resolveu assumir-se como um combatente das alterações climáticas e
passou a denunciar comportamentos e modos de vida que considerava serem
abusadores da Natureza e, por tabela, de todos os cidadãos deste mundo. Por isso, começou
a “patrulhar” campos e vales, procurando coisas que ilustrassem o que
andávamos a fazer ao ambiente e a nós todos. Dia após dia,
calcorreou caminhos e matas e foi anotando tudo o que encontrava, de bom e de
mau. Naquele dia
fatídico a sorte abandonou Lito e quando estava na sua meritória ação, caiu
fulminado, no meio de uma enorme tempestade de verão, com chuva diluviana,
raios e trovões arrepiantes. Ironia do destino,
pensaram alguns, um combatente contra a seca e o fogo morrer às mãos da água
diluviana e da tempestade. Mas o Inácio, que
andava por ali e assistiu, de longe, segundo afirma, à queda de Lito, não
embarcou na história e quando mais tarde conseguiu aproximar-se, reparou que
ele estava mais pesado do que seria normal, pelo acréscimo de chumbo com que
foi atingido e esse chumbo não era transportado por tempestades! – O que eu vi foi
o Lito cair. Estava bastante longe, mas isto é tudo plano, como vê. Demorei
mais de 20 minutos a chegar aqui porque para aquele lado, de onde vim, não há
caminhos e vim a corta-mato. Foi uma carga de água dos diabos e fiquei
completamente encharcado e até o chão ficou escorregadio e enlameado. Ao
chegar, finalmente, vi que estava cá o Zé Farófias. Quando olhei lá de longe,
vi que estava um homem com o Lito, mas não vi quem era. Só ao chegar vi que
estava cá o Zé. Não gosto dele nem um bocadinho, tem a mania de deitar fogo a
tudo para aproveitar os campos e não olha a mais nada, quer lá saber se é
proibido ou não! O Zé Farófias
disse: – Não tenho nada a
ver com isto. É verdade que estava mesmo para começar uma queimada, mas mais
nada. Ia fazer arder este terreno aqui para haver pasto para as minhas
cabras, mais nada. Mas eu sou muito cuidadoso e ia vigiar tudo, não pense que
não… Depois começou a trovoada e a chuvada e já não podia queimar. Só vi o
Lito a rodopiar e cair. Pensei logo que tinha sido atingido por um raio. Só
depois é que reparámos, o Inácio e eu, que levara um tiro. De quem, não faço
ideia… O Zé arrancou um
pedaço de palha ressequida para limpar os sapatos brilhantes e um ou outro
salpico de lama, enquanto alisava o casaco que cobria um colete decorado com
uma gravata azul. Estava impecavelmente vestido porque tinha uma escritura
para fazer na vila e estava atrasado. – Se tudo tivesse
corrido bem, já lá estava. Moro ali abaixo, logo depois daquele morro. São
cinco minutos a andar… Não saí daqui, não tenho telefone e não podia fazer
nada. Como vi que o Inácio vinha lá ao longe, esperei por ele, não podia
fazer mais nada e podia ser que ele tivesse um desses telemóveis que dessem
para falar à polícia. Não tenho arma nenhuma e também não ia andar aos tiros
ao Lito, mas ele tinha muitos inimigos desde que andava armado em polícia a
chatear as pessoas com essas coisas do ambiente e dos fogos. Sempre se
fizeram queimadas e nunca aconteceu nada de mal… Claro que sei que é
proibido, mas isso é coisa de políticos que não percebem nada disto. Fidalgo, em férias
nas imediações, ouvia-os em silêncio, apontando cada palavra proferida. Ele
já tinha dado uma volta pelas imediações e notara que só havia marcas de
quatro presenças no local, para além das suas próprias. O trajeto de Inácio
estava bem definido, tal como o do Lito e do Zé Farófias, mas havia mais um
trilho em direção do morro, nos dois sentidos, que talvez fosse a chave para
o enigma. Quem terá
disparado sobre a Lito? Justifique
todas as suas deduções. |
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© DANIEL FALCÃO |
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