Autor

Inspetor Fidalgo

 

Data

19 de Novembro de 2020

 

Secção

Policiário [46]

 

Competição

Torneio Sábado Policiário 2020

Prova nº 9 – Parte I

 

Publicação

Sábado [864]

 

 

Solução de:

O INSP. FIDALGO E A MORTE DO VELHO MILITAR

Inspetor Fidalgo

 

A análise dos elementos que são fornecidos ao nosso Inspetor Fidalgo bem como todos os pormenores que ele verifica permitem-nos tirar algumas conclusões.

Assim, não se tratou de suicídio:

a) A porta está fechada à chave, que não se encontra no interior do quarto. Mesmo admitindo que o coronel fechasse a porta por dentro – ao contrário do habitual –, para não ser impedido no seu ato suicida, a chave tinha de aparecer;

b) Não é encontrada a cápsula do projétil que a pistola tinha de ejetar, obrigatoriamente;

c) A disposição das canecas, com as asas viradas para a janela e os desenhos para a parede, mostram que o coronel apenas podia movimentá-las com a mão esquerda, o que nos conduz à conclusão de que estava paralisado do seu lado direito. Desta forma, a arma na mão direita da vítima não tem razão de ser. Ele não poderia disparar com a mão direita na face direita. O projétil foi disparado a curta distância da face direita, provocando os estragos descritos, saindo pela esquerda, onde provocou muito mais estragos, por força do movimento de rotação e desvios que sempre sofre o projétil ao perfurar tecidos ósseos;

d) Um tiro na face não é o ideal para um suicida, que normalmente escolhe locais de morte mais garantida e menos sujeita a sofrimento, como a têmpora, o céu da boca, a nuca e, eventualmente, o coração.

e) O coronel não tinha qualquer bengala consigo e dessa forma não poderia deslocar-se até à porta para a fechar à chave, bem como dificilmente se equilibraria para dar o tiro fatal, dada a sua dependência quase completa.

Também não se tratou de acidente. Pelos mesmos motivos referidos, é possível excluir a hipótese de acidente, que não encontraria justificação, ainda, pelas razões que a seguir se indicam.

A morte do coronel não ocorreu no seu quarto:

a) O coronel tinha sempre a janela fechada, como de resto se comprova por estar o soalho completamente seco, apesar da chuva copiosa que esbarrava no vidro. Um só momento aberta, implicaria que houvesse marcas. Assim sendo, o cheiro que haveria não seria o do unguento que ele punha no braço, mas sim de pólvora;

b) A cápsula teria de ser encontrada;

c) Se o projétil entrou pela face direita e saiu pela esquerda, teria de se alojar algures numa parede, móvel ou objeto, ou perfurar o vidro da janela. Nada disso aconteceu. Não há vestígios do impacto do projétil;

d) Um tiro de uma arma de grande calibre (projétil 9mm, derrubante), em sítio de grande irrigação sanguínea, provocaria obrigatoriamente uma enorme hemorragia que teria de deixar marcas, o que não aconteceu;

e) Ao atravessar a cabeça, esfacelando a face esquerda, teria de projetar tecidos e sangue a distância considerável, o que não aconteceu;

f) A ausência das inseparáveis bengalas é mais um fator indicador de que a morte não ocorreu ali, naquele quarto.

Chegados a este ponto, resta-nos a hipótese de ter havido um crime, executado por um dos intervenientes na história.

Facilmente se exclui a hipótese da morte ter ocorrido no momento em que o secretário diz ter ouvido o disparo. O estado do corpo, a impossibilidade de ter sido morto naquele quarto, etc., faz com que se conclua que este tiro foi apenas uma manobra de diversão, tentando criar a ilusão, no secretário, de que tudo ocorrera naquele momento e que este fosse contar à polícia isso mesmo, conduzindo à hipótese de suicídio.

Por esse motivo, o porteiro fica ilibado de imediato. Não há acesso possível ao local da morte, por outro local.

O secretário, apenas entrou pela manhã, não teve tempo para encenar tudo. Matar o coronel noutro local (já vimos que não pôde ser ali); transportá-lo para o quarto – ele é franzino, quase enfezado e o coronel tinha um “corpo enorme” –, sem deixar rastos ou vestígios de sangue no corredor; fechar o quarto à chave e esconder esta em local seguro; e fazer tudo isto à revelia do irmão do coronel, que estava ali ao lado, quer ele soubesse da sua presença, quer não, não parece possível, para além de não haver um motivo muito concreto para eliminar o seu patrão.

Excluído o secretário do rol dos suspeitos, nada nos faz duvidar da existência do tiro que ele diz ter ouvido.

Resta-nos, pois, o irmão do coronel. Por razões que se desconhecem, eliminou-o no seu quarto ou em outro compartimento, forjou a cena – deixando atrás de si uma imensidão de erros, como vimos –, disparou uma arma no seu quarto, dirigindo o projétil para o jardim, pala janela aberta, quando sentiu a presença do secretário. O cheiro da pólvora dissipou-se normalmente.

Depois, fez a cena que foi descrita. Tentou abrir a porta do quarto do irmão, mesmo que já soubesse que não ia conseguir por estar fechada, alvitrou o arrombamento e acabou por se lembrar de uma hipótese bem remota – a de a chave de um quarto abrir o outro. Em todo este comportamento, esteve bem. O pior foi a sucessão de erros anteriores.

© DANIEL FALCÃO