Autor

Jartur

 

Data

Julho de 1976

 

Secção

Enigma Policiário [4]

 

Competição

Torneio de Abertura

1º Problema

 

Publicação

Passatempo [26]

 

 

Solução de:

UM ROUBO NO 14º ANDAR

Jartur

 

Muitos são os pormenores que neste problema, do género dedutivo, determinam de forma insofismável a culpabilidade do suspeito – o sobrinho da vítima.

Vejamos alguns:

A) – É obviamente falso que ele tenha visto um indivíduo a fugir, utilizando o elevador, uma vez que não havia energia eléctrica, desde madrugada, nem no edifício nem na zona residencial onde o mesmo se situava.

B) – Corre em perseguição desse indivíduo, segundo afirma, não evitando porém a sua entrada no elevador – que coincidentemente se encontrava livre e naquele andar, à sua espera! «Como não estava em condições de perseguir o fugitivo, já que se encontrava de pijama, espreitara pelo vão da escada e, daí a pouco, vira um homem de fato macaco cinzento que corria em direcção à rua. Imediatamente lançara os gritos de alarme e correra para chamar o Jartur

Raciocinando sobre esta descrição verifica-se que, apesar de ter visto o vulto fugir e entrar no elevador, e de até aí o ter imediatamente perseguido, só deu o alarme, gritando, cerca de minuto e meio depois, tempo aproximadamente necessário para a chegada deste ao rés-do-chão! Como explicar, logicamente, tão estranha – e longa – passividade? Como explicar, logicamente, que ele tenha gritado só nessa altura, e não logo quando descobriu o tio desmaiado?

Por outro lado, se logo após ter lançado esses gritos correra para o andar de cima para chamar Jartur, como se explica que este, ouvindo-os na casa de banho, abandone esta, corra em direcção ao barulho, alcance o patamar, dirigia-se para o andar de baixo e só no segundo lanço de escadas – portanto já quase no andar inferior, cenário do “caso” e de onde o sobrinho partiria – se dê o choque entre ambos? São flagrantes e sucessivas, pois, as suas contradições…

C) – Se o Jartur apenas reconheceu o sobrinho do assaltado pela voz, quando com ele chocou na escada, em virtude da semiobscuridade que reinava nesta, pois não havia luz e a manhã estava escura, também aquele não podia de forma nenhuma ter visto um homem a fugir no rés-do-chão – 14 andares abaixo e, portanto, a cerca de 60 metros de distância – e muito menos que ele envergava um fato macaco cinzento!!! Contraditoriamente, a bem mais curta distância – através da porta escancarada, rumo aos elevadores – não dissera ele ter vislumbrado apenas um vulto?

D) – Outro lapso extraordinariamente acusador para o sobrinho é o facto desta, logo após a chegada de Jartur junto dele, ter afirmado que o tio fora agredido e roubado. É evidente que, nessa altura, só o ladrão poderia ter conhecimento da efectivação de tal delito, porquanto sabemos que só uma posterior vistoria à habitação viria a revelar a existência do roubo.

E) – O facto das colecções roubadas se encontrarem numa das gavetas da secretária no escritório do dono da casa – a única em que a fechadura se encontrava forçada e inutilizada – é também sintomático de que quem procedeu ao roubo conhecia de sobejo o local onde Mário Salgado guardava as colecções – já que em todas as outras nada de anormal se notava.

F) – De particular importância é também o facto do sangue já estar coagulado, o que nos revela que o ataque sofrido pela vítima não acontecera naquele momento, como o sobrinho pretendera fazer crer, sabido como é que a coagulação de sangue se efectua, normalmente, num espaço aproximado de 8 a 12 minutos. Espaço de tempo naturalmente por ele utilizado para a «encenação» que posteriormente apresentou do caso.

G) – Afirmou ter ouvido um grito do tio, logo seguido do «baque» que lhe parecera ter sido provocado pela queda dum corpo, quando nós sabemos que a vítima foi agredida pelas costas, perdendo de imediato os sentidos. Assim, como explicar o grito, que o tio, de resto, depois também não referiu?

H) – É extremamente duvidoso que – caso fosse verdadeiro o seu depoimento – pudesse ter ouvido o «baque» da queda do tio, porquanto não só a sala era alcatifada, como ainda, no seu quarto, conforme afirmou, escutava na altura num «transistor» um programa musical. Por outro lado, não deveria ouvir o ruído correspondente à queda da pesada estatueta de pau-preto, que se encontrava no chão?

I) – Ao ouvir o grito do tio levantara-se pressuroso – disse – e correra para a sala, chegando ainda a tempo de ver sair um vulto pela porta. É evidente, porém, que o espaço de tempo decorrido entre essa presumível agressão e a sua chegada ao local não proporcionaria de forma nenhuma ao agressor tempo suficiente para a consumação do roubo.

J) – Acusador é, ainda, que o rapazote, andando de pijama, trouxesse nas mãos um cachecol, denunciador de que o utilizara, certamente, para fazer desaparecer os vestígios de impressões digitais.

L) – Visto que não se refere anormalidade nenhuma nas portas – e qualquer entrada forçada seria decerto pressentida – tudo indica que o ladrão era de «dentro». De resto, não seria ilógico aceitar a entrada forçada de qualquer estranho, com o objectivo de roubo, às dez horas da manhã? E, não sendo ainda tudo quanto ao problema se pode extrair de acusatório para o sobrinho da vítima, o exposto é no entanto mais que suficiente para demonstrar peremptoriamente a sua culpabilidade.

© DANIEL FALCÃO