Autor Data 1 de Setembro de 2007 Secção Competição Problema nº 1 Publicação O Almeirinense |
O MISTÉRIO NÃO FOLGA Jartur Mamede Aproveitando
o fim-de-semana prolongado, eu, o Marcos Dias e o Sub-Inspector
Aranha, magníficos membros do Clube Aranhiço, resolvemos ir passar uns dias
ao Algarve. Cada
um de nós tinha o seu programa, previamente estabelecido, e só nos
encontraríamos no restaurante, cerca das treze horas, para almoçarmos juntos.
No entanto, logo no segundo dia, isto é, no sábado, o Aranha chegou com
enorme atraso. Segundo
nos disse, encontrara, na noite anterior, numa discoteca, um antigo
companheiro da tropa, que era dono desse estabelecimento e de uma cadeia de
casas similares, instaladas por toda a costa algarvia. Assim, e depois do seu
amigo Martins lhe fazer as honras da casa e o apresentar a umas
colaboradoras, ficara lá a desfrutar do calor da noite e acabara por ir
pernoitar, bem acompanhado, no iate do camarada, onde acabara de almoçar com
a sua parceira de camarote. Nessa
tarde, porém, iria estender-se na praia, a descansar e a reflectir
um pouco, visto que durante a noite queria andar bem acordado e atento, pois
suspeitava, por conversas lacónicas e enigmáticas que escutara durante as
suas deambulações nocturnas da véspera, que nessa
tarde teria chegado, à região, uma importante remessa de droga. –
Não te metas nessas coisas! – disse Marcos Dias,
tentando dissuadi-lo. – Limita-te a alertar para o facto os teus colegas da
zona… –
Estás doido, pá?!… Então eu ia servir-lhes de bandeja um pitéu tão
apetitoso?… O caso está de caras, pá! Não tenho nada a perder, e um êxito
desta natureza, em dia de folga e no campo do adversário, contará muito para
a minha carreira. Esclareceu-nos,
mas não nos convenceu, que a missão não comportava riscos, visto que não iria
agir operacionalmente, mas sim observar discretamente, pesquisar na sombra,
quase só com os ouvidos, de forma a poder fundamentar um relatório que lhe
assegurasse êxito e lhe valesse a almejada promoção. –
Os gajos não sabem quem eu sou, pá! Fiquem
descansados que amanhã não chegarei atrasado para o almoço. E, se precisar da
vossa ajuda, eu lanço-vos um SOS e confio nos vossos dotes detectivescos.
Prometeu, com ironia, e afastou-se, sorrindo. No
dia seguinte… ele não chegou atrasado. Pior ainda. Nem sequer chegou!… Por
isso, fartos de o esperar e preocupados com a sua ausência, fomos procurá-lo
ao seu quarto. Porém, não o encontrámos e a empregada do aldeamento disse-nos
que a cama não fora utilizada, encontrando-se a habitação tal como ela a
deixara no dia anterior. Intrigados com o facto, metemo-nos no “Mercedes
300SL” do Marcos e fomos à discoteca que o Aranha nos referira perguntar ao
dono, o tal Martins, se sabia onde poderíamos encontrar o amigo. –
Não! – respondeu: - E confesso que também estou a
ficar preocupado, pois o Aranha ontem pediu-me que o deixasse ir passar umas
horas no meu apartamento, com uma “sueca”, e ainda não voltou para me
devolver a chave. Já liguei para lá umas duas ou três vezes; aliás, ainda
agora o fiz, mas ninguém atende o telefone. Depois,
disse-nos que estava à espera de uma chamada telefónica da Holanda, motivo
por que não nos poderia acompanhar, mas indicou-nos a localização do
apartamento e forneceu-nos uma chave. Em
poucos minutos, chegámos ao local indicado. O apartamento, afinal, era uma
casa tipicamente algarvia, grande e isolada, implantada num amplo terreno que
se estendia até à praia. Por cima do muro de vedação e da vegetação baixa que
o acompanhava, via-se que estava, no caminho de acesso à moradia, o “Escort” que o Aranha alugara no aeroporto. A
cancela exterior estava fechada apenas pelo trinco e para entrar na casa
também não precisámos de chave, porque a porta estava entreaberta. Como
ninguém respondeu aos nossos chamamentos nem ao toque da campainha que accionámos com insistência, entrámos, cautelosamente, e
fomos logo surpreendidos pelos pingos de sangue que se viam no chão da sala
de estar e através das duas portas de ligação a outros compartimentos. Cada
um de nós seguiu as marcas num sentido. Fui parar num quarto e imediatamente
me apercebi da desarrumação reinante, com roupas e objectos
pelo chão, também atingidos por sangue, como se ali tivesse havido luta. –
Jartur!… – berrou, de
súbito, o meu amigo Marcos e eu corri para o aposento de onde me parecera ter
partido o grito e que estava no seguimento das marcas de sangue. Era
um amplo escritório, bem mobilado e equipado, e onde o nosso amigo Aranha se
encontrava, inerte e bastante ensanguentado, sentado numa cadeira de braços e
caído contra a mesa da máquina de escrever, na qual os seus dedos, também
ensanguentados, haviam deixado marcas no teclado. Confirmámos
que ele mantinha sinais de vida. Cuidadosamente, estendemos o corpo na
alcatifa e, numa rápida apreciação, reparámos que exibia vestígios de dois
tiros – um no peito, outro nas costas. Marcos
Dias iniciou os primeiros socorros indicados para o caso e eu procurei um
telefone, que encontrei caído a um canto, com os fios rebentados.
Rapidamente, improvisei uma ligação das pontas soltas. Confirmada a eficácia
da reparação, marquei o 115 e transmiti o urgente e indispensável apelo. Enquanto
os socorros não chegavam e o Marcos assistia o nosso amigo, procurei, sem
êxito, alguma arma ou indício que pudesse ser útil na investigação que se
impunha. Observando
agora, mais atentamente, a máquina de escrever, vi que era uma “Brother” igual à que tínhamos no Clube do Aranhiço. E
reparei que estava ligada, encontrando-se acesa a luzinha que indicava a actuação da escrita centralizada. Não tinha qualquer
folha de papel introduzida, mas apresentava vestígios de que o papel ali
estivera e que fora arrancado desastradamente. Na realidade, via-se, sobre o
negro do rolo, uma marca de sangue que me parecia ser de uma impressão
digital, interrompida no sentido vertical, para a esquerda, como se a parte
que lhe faltava tivesse sido impressa no papel que fora retirado. Examinando
o cesto dos papeis inúteis, ali encontrámos uma
folha, bastante amarfanhada e com um texto algo enigmático: PEDE
NOTÍCIAS A ESTA E A OUTRA Aquilo
tinha, sem dúvida, sido escrito pelo Aranha, pois encontravam-se, manchadas de
sangue, as teclas correspondentes e mais umas tantas, cujos caracteres não se
encontravam marcados no papel, ao qual faltava um pequeno canto inferior, que
ficara preso no dispositivo encaminhador das fitas. Reflecti que o Aranha,
pressentindo a morte, resolvera deixar uma mensagem denunciadora. E reli o
enigmático pedido. Voltei a olhar a máquina de escrever e, ao ver de novo a
luzinha verde, fez-se luz… Coloquei uma folha nova no carreto da máquina,
premi a tecla que indicava PTI e, automaticamente, a máquina começou a bater
um texto. Terminado este, retirei a folha e constatei que o enigma era ainda
maior, pois o texto não apresentava qualquer espaço nem nexo: BUFKTYSFGRTDYUÇTERSTGTQHFJAT Entretanto,
chegara o piquete da Judiciária e a Emergência Médica. O Aranha sobreviveria. Marcos
Dias e o Insp. Boavida, enquanto o restante pessoal
do piquete trabalhava à nossa volta, também ficaram intrigados com o papel
que lhes entreguei e com as diligências que sugeri. PERGUNTA-SE:
O que lhe parece este mistério? Apresente o seu relatório. (É verdade! Um mês
depois, o Aranha, já de boa saúde, foi promovido a Inspector.) |
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© DANIEL FALCÃO |
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