Autor Data 3 de Outubro de 1987 Secção Sábado Policiário [93] Publicação Diário Popular |
UM CRIME IMPERFEITO Jatt Casso Chamo-me
Afonso Machado e sou um assassino. Matei um homem. E hoje, em vez de rico,
estou preso. Vivia
com o tio Félix desde a morte dos meus pais, há quase cinco anos. Tornara-me
uma espécie de secretário particular do velho e preparava-me para um dia mais
tarde poder substituí-lo na direcção da empresa.
Transformei-me num jovem ambicioso e sobretudo… impaciente. Aconteceu
tudo muito depressa. Almoçámos
juntos na Baixa e levei-o a casa. Amolecido
pela refeição e pelo calor de Agosto, subiu para o quarto e deve ter adormecido
imediatamente. Esperei cerca de vinte minutos. Subi
as escadas e parei junto ao quarto. Como de costume, o tio Félix deixara o
rádio ligado. Abri a porta silenciosamente e entrei. Dormia profundamente. Calcei
as luvas e abri uma gaveta da secretária: lá estava a pistola automática com
que o tio acalmava os seus medos dos assaltos. Aproximei
a pistola da testa do velho, fechei os olhos… Quando
os abri, havia muito sangue e o estrondo do tiro ecoava ainda nos meus
ouvidos. A
tremer, peguei na mão quente do rio e apertei-a em torno da arma. Dirigi-me ao
telefone e chamei a Polícia. Mais
calmo, descalcei as luvas, desliguei o rádio, apanhei
a cápsula e guardei-a no bolso, e em seguida desci para a sala. Chegaram
pouco depois e o diálogo foi breve. Contei-lhes que, ao chegar a casa, subira
ao quarto do tio para tratar de um assunto relativo à empresa. Batera à porta
e, como não respondesse, entrara e deparara com o corpo. Telefonara imediatamente
à Polícia e abandonara o quarto sem tocar em nada. Afirmei
que ultimamente o tio Félix me parecia um pouco deprimido. –
Creio que o senhor será o único herdeiro do dr.
Machado, não é assim? – perguntou-me o inspector. –
É verdade – respondi. – Julgo que não tinha mais parentes vivos. Esperei
na sala enquanto, no local do «suicídio» fotografavam o cadáver, recolhiam impressões
digitais e procediam às formalidades do costume. Quando acabaram, preparei-me
para os acompanhar até à porta. –
Lamento ter de lhe pedir que venha connosco, meu caro Afonso. Cometeu alguns
erros lamentáveis. Tinha
razão, o inspector. Será
preciso dizer-vos que erros foram esses? |
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© DANIEL FALCÃO |
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