Autor Data 2 de Outubro de 1994 Secção Policiário [170] Competição Prova nº 7 Publicação Público |
O REGRESSO DO AVÔ BRINCALHÃO Jomaro Manuel Carolino, o avô
brincalhão, tinha acabado de se deitar. Apesar de já não ser cedo e de o
trabalho daquela quarta-feira ter sido muito duro, não esquecia os velhos hábitos:
pegou no livro de cima da mesa-de-cabeceira – nem tinha reparado que estava
ao contrário – quando o telefone quebrou o silêncio reinante no quarto. Tinha
aparecido morto um odontologista brasileiro no seu consultório, nos arredores
da cidade. Enquanto conduzia o velho
carro até ao local da ocorrência, ia pensando como um dia tão bonito, cheio
de sol, poderia acabar em tragédia. O senhor Tiago estava há
poucos meses em Portugal. Seduzido pela esperança de ganhar bem,
aventurara-se a vir do outro lado do Atlântico para este rectângulo à
beira-mar plantado e, para evitar a concorrência desenfreada dos grandes
centros urbanos, estabelecera-se nesta simpática cidade. A sua vida corria
sobre rodas: trabalhava de manhã à noite, mas parecia que estava a enriquecer
rapidamente. Afinal, acabara de morrer, e logo no mesmo dia em que Jesus
Cristo, só que mais de 1950 anos depois! O avô Carolino chegou
rapidamente àquela zona nova da cidade que ainda nem sequer tinha iluminação
pública; na casa do senhor Tiago, uma das assoalhadas servia de consultório.
A polícia já tinha isolado o local, identificado e mantido sob custódia três suspeitos
que habitavam perto. Ao entrar no consultório, o
cenário que se deparou ao Manuel Carolino era verdadeiramente aterrador,
digno duma película de terror: sentado na sua secretária, a vítima tinha na
mão direita uma arma, presumivelmente a do disparo; a bala tinha entrado na
têmpora direita e a ferida estava chamuscada e apresentava bordos irregulares
donde corria ainda um fio de sangue vermelho-vivo para cima da secretária,
indicando que a morte fora recente. Quando tocou no braço do
senhor Tiago, para ver a sua expressão, a arma caiu e o avô Carolino
guardou-a cuidadosamente num plástico que trazia sempre consigo para estas
ocasiões, preservando assim as possíveis impressões digitais. Do lado esquerdo da
secretária estava um papel onde podia ler-se o seguinte: “LPLRDTM UTDT FTG
VDNIZUJ UTFET SZVEJ”. Aparentemente, não havia mais nada a registar, a não
ser o facto de o dinheiro – que devia ser em quantidade razoável – ter
desaparecido. Sendo assim, passou-se ao
interrogatório dos suspeitos. João Soares, um jovem de 20 anos, prestou o
seguinte depoimento: “Quando vinha para casa, depois de ir ao cinema, ouvi um
estampido que me pareceu ser um tiro; após hesitar durante alguns momentos,
fui até à casa da qual parecera ter vindo o tiro e, como a porta estava
aberta, entrei, mas estava tão nervoso que parti um jarrão, logo à entrada;
voltei a hesitar, pensando quanto me custaria o jarrão que acabara de partir,
mas encontrei o odontologista no estado em que já viram; telefonei logo à polícia
e, quando o fazia, apareceu este senhor”, disse, apontando para outro
suspeito, o senhor Luís Reis. Afirmou ainda que não tocara em nada. Luís Reis, de 35 anos,
declarou que tinha ido dar uma volta, pois a noite estava boa. “Na escuridão
da noite consegui divisar um vulto que se dirigia a correr para a casa do
senhor Tiago. Achei estranho e segui atrás dele para ver o que se passava.
Lembro-me de reparar numa coisa partida no meio do corredor e cheguei ao
consultório um ou dois minutos depois daquele miúdo, que estava a telefonar
para a polícia.” António Filipe, de 26 anos,
era o terceiro suspeito. Afirmou que vinha do bar e que ia para casa quando
foi surpreendido pela polícia e que não sabia nada do que sucedera. O avô Carolino, já no
aconchego do seu lar, meditava sobre o que teria acontecido naquela noite. A
mensagem não era difícil, mas havia qualquer coisa que não encaixava muito
bem neste enigma para poder ser considerado um simples caso de suicídio. Ao acordar, logo pela
manhã, Manuel Carolino telefonou para a polícia para saber se já haveria
algum dado novo, pois os suspeitos – caso não fosse formalizada a acusação de
nenhum deles – teriam de ser libertados. Informaram-no que na arma só
existiam as impressões digitais da vítima e que o dinheiro tinha sido encontrado
escondido no quarto ao lado do consultório. Imediatamente, o avô gritou que
tinha sido um crime e não um suicídio e que ia já a caminho da polícia para
lhes indicar o criminoso. E agora, bastantes anos
depois, coloca-nos as seguintes questões: – Qual o teor da mensagem
encontrada? – Em que se baseou para ter
a certeza de que era um crime? – Qual dos suspeitos é que
ele acusou de tentativa de roubo e de assassínio? |
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© DANIEL FALCÃO |
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