Autor Data 3 de Novembro de 2013 Secção Policiário [1161] Competição Campeonato Nacional e Taça de
Portugal – 2013 Prova nº 10 (Parte I) Publicação Público |
VENHAM DE LÁ ESSES OSSOS… Júlio Penatra & Gá A
– Este bosque do Tojo é muito agradável: a exuberância da flora, a
diversidade e polifonia das aves, as águas cristalinas do ribeiro… B
– Sim, e não só é agradável como é um sítio com história e muitas histórias a
seu respeito. C
– É verdade. Em tempos, o povo da Castanheira reunia-se aqui à volta da
Ermida da Srª do Tojo, a quem eram muito devotos. B
– Realmente, parece que era uma Ermida muito querida das pessoas, mas os
franceses maltrataram-na muito. Em 1855 ainda servia para o culto, mas em
1899 já era um monte de ruínas. C
– Conta-se que, certa vez, foi roubado todo o seu recheio de valor e, como a
porta parecia ter sido arrombada à machadada, logo acusaram o lenhador, que
habitava com a sua família numa cabana aqui perto. Verdade ou mentira, o
certo é que o lenhador e a família nunca mais foram vistos na vizinhança, e
da sua cabana ficou apenas carvão. B
– Constou que uma assinatura de cruz da declaração de obediência e vassalagem
da Câmara da Castanheira ao D. Miguel, aprovada em 1832 e publicada na Gazeta
de Lisboa, era desse lenhador, do qual se afirmava ter votado contra tal por
defender ideias liberais. C
– Sim, dizia-se que tinha uns 25 anos e era um dos bastardos que os franceses
cá tinham gerado na primeira invasão. Ao certo, sabe-se apenas que, a partir
daí, lhe fizeram a vida negra, e ele, um latagão, teve de fugir da vila. Uns
anos mais tarde, já casado, foi visto por aqui a coxear um pouco da perna
esquerda e a viver na tal cabana. Nessa altura a sua história voltou às bocas
do povo, apimentada com comentários à manifesta juventude e fraca figura da
mulher e à presença de um filho de três anos. Parece que um novo Senhor do
Tojo, que chegou e partiu com o 1º governo do Marquês de Loulé, o trazia ao
seu serviço, mas ninguém soube de onde se conheciam. D
– Ora “a vida é sempre adaptação”, como disse Marcello Caetano, antes de
ontem, na tomada de posse como primeiro-ministro. A
– Eh pá, não tragas a política para o campismo. E se agora nos deixássemos
das histórias da história? E
– Boa ideia. Ó C, passa aí a viola do F. C
– Isso também eu queria, mas não sei dela nem do dono. D
– Olhem, vem ali e não traz a viola. B
– Então, F, onde te meteste? F
– Estive acocorado, ali, no meio daqueles arbustos, e venho mais rico. B
– Não quererás dizer… mais leve? F
– Não. Acocorado, pus-me a esgaravatar no chão com a ponta do meu punhal, e
desenterrei esta peça. B
– Mostra cá. Hum… Isto é uma moeda de III reais ou réis, como se dizia, do
ano 1868, e na outra face tem escrito LUDOVICUS I DEI GRATIA. C
– É uma moeda de cobre. B
– Então, não me parece que tenhas feito uma grande descoberta, mas talvez lá
estejam enterradas algumas moedas de ouro. O melhor seria irmos investigar,
mas deixemos isso para próxima semana, se concordarem, porque é tempo de
levantarmos a tenda. … B
– Ora bem, tenda montada, vamos à nossa expedição. Mas é melhor ficar aqui
alguém, não venha aí o “guarda do mato” implicar por estarmos cá outra vez e
descobrir o que viemos fazer. A
– Devíamos ter um detetor de metais. Assim, fico cá eu. … F
– Foi aqui! B
– Já deu para perceber. E
– Eu começo neste ponto… Eh, lá! Isto é um osso! F
– E está por debaixo do sítio de onde recolhi a moeda. D
– Cuidado com isso. Temos que escavar com muito cuidado. É melhor irmos buscar
as colheres, os garfos e os pincéis da barba… B
– Tragam também a máquina fotográfica, porque não podemos levar isto daqui.
Aliás, temos de voltar a enterrar tudo e disfarçar o melhor possível com
ervas e musgo. Depois de investigarmos, logo daremos conta da descoberta ao
Cabo da Guarda. … B
– Meu caro G, dá-nos cá uma ajuda. Tu que és um rapaz que até já fizeste
Anatomia, analisa estas fotos e diz-nos o que vê
nelas o teu douto conhecimento. G
– Ok. Venham de lá esses ossos, ou melhor, as fotos. Ora, temos, então:
caveira, úmero, fémur e mão. A caveira é de um caucasiano, tem aqui uma
protuberância externa bem marcada no occipital, maxilar em ângulo reto e
queixo um pouco avançado. Aqui, as suturas sagital, coronal e lambdoide já
estão fechadas e, ali, a que liga o mastoide ao parietal está quase. Quanto
ao úmero… D
– Mede 271 mm. G
– Ok. Está um bocadinho deteriorado e não vejo nada de especial. O fémur… D
– Mede 530 mm. G
– … parece estar também um bocado deteriorado, mas aqui vê-se bem o sinal da
calcificação de uma extensa fratura. Na mão, cada dedo tem ossos incipientes,
há grandes espaços entre estes e faltam mesmo alguns. E pronto, é tudo o que
posso dizer através destas fotos. B
– Muito bem, a tua informação vai ser muito importante para nós. … C
– Malta! Finalmente, o meu colega que estagia no LN… disse-me que o solo tem
pH à volta da neutralidade e os ossos “morreram” há cerca de 100 a 120 anos. D
– Vá lá! Passados dois meses dos achados temos toda a informação possível a
seu respeito. B
– Isto é muito interessante… e mais seria se a nossa descoberta tivesse
alguma coisa que ver com a história do lenhador de que falámos. E
– Ó meu! E por que é que havia de ter? Alguém pode explicar-me? |
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© DANIEL FALCÃO |
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