Autor Data 12 de Julho de 1979 Secção Mistério... Policiário [225] Competição Torneio
“Detective Misterioso" Problema nº 9 Publicação Mundo de Aventuras [301] |
…E A MORTE VISITOU ALGÉS!... L. P. Mais uma página abro no meu «Diário».
Continuo a ser chamado a torto e a direito para
resolver os casos mais incríveis. É sempre o inspector
Fidalgo a alinhar! Inspector Fidalgo para aqui… Inspector Fidalgo para acolá!... Assim, hoje, surgiu mais um caso. Mas,
o melhor é eu contar tudo desde o princípio: Eram
precisamente 12 horas e 52 minutos, quando um telefonema de Algés me pôs ao
corrente do assassínio de um tal Dr. Cardoso. Dirigi-me
ao local, onde cheguei às 13 horas e 17 minutos. O crime ocorrera no único
elevador que funcionava, já que o outro estava avariado há dois dias no 7.º
andar de um prédio de 8, já relativamente antigo, que albergava 31 pessoas,
em 16 habitações. Calcorreei
todos os degraus até ao local onde o cadáver havia sido encontrado, ou seja,
dentro do elevador no 8.º andar. Quando,
de língua de fora, pus o pé no 120.º degrau (!!!),
vi pessoas a conversar em voz baixa, encostadas à porta do 8.º direito. Finalmente
cheguei ao cimo das escadas que, sinuosamente, iam dando voltas sobre voltas
em torno do imenso tubo fechado onde os elevadores, paralelos, circulavam. Ao
entrar no elevador, vi o corpo de um indivíduo dos seus 60 anos, sentado no
chão, de cabeça apoiada na parede oposta à entrada. O rosto, disforme por um projéctil, apresentava um furo por alturas do olho
direito. O sangue cobria todo esse lado da cara e manchava a parede desde o
espelho como se um pincel de cerdas grossas por ali tivesse passado com tinta
vermelho-acastanhada. Apesar
da minha já longa experiência, confesso que senti uma náusea e um arrepio a
subir pela espinha. A
vítima, envergava umas calças desportivas, de cor
azul, um casaco do mesmo tom e uma camisa branca, sem gravata. O espelho, que
revestia a metade superior da parede a que se apoiava o cadáver, apresentava
um orifício de onde irradiavam pequenos fios, que não eram mais que fracturas desse mesmo espelho. Aqui e ali, salpicos de
sangue. No chão, no enfiamento dos botões, salientes, de accionamento
do elevador (que, bastante folgados, dançavam como ao som de uma possível
música macabra, assim que se lhes tocava), repousava um fósforo de cartão,
caído possivelmente de uma carteira, uma vez que não estava gasto. Eram
13 horas e 36 minutos quando terminei as buscas de indícios no elevador, sem
resultados positivos, aliás. Resolvi, então, passar à recolha de depoimentos.
Transcrevo na íntegra o que cada um dos intervenientes, que lidaram com o
morto nos últimos instantes da sua vida, afirmou: Sr.ª
D. Arminda, a porteira do prédio – O Dr. Cardoso regressou a casa às 12 horas
e 37 minutos, na companhia do sr. Dias que mora no
5.º esquerdo. Lembro-me exactamente da hora porque
estava a vigiar um cozinhado que exigia horários rigorosos… Como estava a
lavar o chão do elevador, os dois senhores aguardaram um bocadinho, uns…
Deixe ver… Sim, dois minutos! Recordo-me perfeitamente… Sabe, o tal
cozinhado! Eram pois, 12 horas e 39 minutos quando entraram no elevador e
subiram. O sr. Dias vinha com uns calções de banho
vermelhos e uma blusa da mesma cor. Ia sempre assim para a praia… O doutor
Cardoso, ia como o viu lá em cima. Durante o tempo
em que estiveram aqui, falaram sobre livros. O sr.
Dias agitava um grande «calhamaço», um livro muito grosso, com muitas
páginas, ao que parecia, que trazia na mão. Como depois fui lavar estes
degraus – e apontou para os 5 degraus que se elevavam a partir da porta de
entrada até ao patamar onde desembocavam os elevadores – reparei que o
elevador parou no 5.º andar… Depois seguiu para o 8.º, onde parou. Foram a
falar muito alto. Praticamente só se ouvia o sr.
Dias… Mais tarde, ouvi um estrondo e… Depois gritos!
Corri pelas escadas acima e quando lá cheguei, já lá estavam o sr. Dias, a D. Etelvina, do 5.º direito, e o sr. Alberto, do 8.º esquerdo, que estava sentado no chão,
com as costas apoiadas à porta do 8.º direito e…
Claro que estava o doutor!... Não, não havia mais ninguém no prédio. Sabe,
férias… Todos foram para férias, excepto estes
senhores que vivem sozinhos. Sr.
Dias, do 5.º esquerdo – Sim, subi com o doutor. Encontrei-o no jardim e vim
com ele. Vínhamos a falar de autores contemporâneos… Ele gostava mais dos
clássicos, eu gosto mais dos contemporâneos. Viemos a falar até aqui.
Estivemos lá em baixo parados à espera que a D. Arminda acabasse de limpar o
chão do elevador, porque o outro está avariado no 7.º andar. Não sei o que
terá. Abre a porta, mas não acende as luzes, nem anda. Mas, como ia dizendo,
o doutor só gostava de clássicos. Até prometi emprestar-lhe o livro que ando
a ler, o «Terras do Meu País», de Pavese, para que ele lesse… No entanto,
como é muito grande, daqueles que assustam muita gente, já que parece ter
para cima de 600 ou 700 páginas, de grande formato, margens pequenos e letra
miúda, fiquei de lho emprestar quando acabasse de o ler, lá para Setembro,
que era quando o doutor tinha férias… Depois… Depois subimos até ao 5.º, onde
ainda ficámos um pouco a acabar a discussão, tendo depois aberto as portas e
saí. O doutor seguiu lá para o 8.º andar. Fiquei algum tempo a limpar as
areias que trazia agarradas às pernas. Quando ia a entrar em casa, depois de
abrir a porta com as chaves que deixara cair, ouvi um estrondo lá para cima,
que me pareceu a porta de correr do elevador a bater, quando é corrida com
força de mais. Alguns segundos depois, ouvi gritos, que me pareceram do sr. Alberto, que duraram até eu chegar ao 7.º andar.
Lembro-me muito bem! Pararam no momento em que pus o pé no 1.º degrau após o
7.º!... Sabe, é que fez um barulho esquisito!... Como eu estava a ouvir
aqueles gritos e foi o 1.º passo após eles cessarem… – e mudando de tom – Quando
cheguei lá acima, vi logo o sr. Alberto, de costas
no chão à porta do 8.º direito. A cabeça pendia-lhe para o 2.º degrau. Vi a
face dele aterrorizada. Abaixei-me e vi que estava só
desmaiado. Fui então espreitar ao elevador porque não vi o doutor e… Dei com aquele horroroso espectáculo!
Logo a seguir apareceu a D. Etelvina e mais tardo a D. Arminda. Não, o
fósforo não é meu, nem era do doutor, porque nem eu fumo, nem ele o fazia.
Nada mais sei. D.
Etelvina, do 5.º direito – Vi o sr. Dias sair do
elevador. Como a porta exterior abre para o meu lado, não vi o doutor. Ouvi o
sr. Dias dizer um «boas tardes», culminar um
bocadinho em que estiveram dentro do elevador até o sr.
Dias abrir a porta, depois de correr a porta interior. Deixou encostar a de
fora e… o elevador pôs-se em marcho para cima… Mas não pense que espreito a
vida dos vizinhos! Calhou!... Fui espreitar ao «ralo» por ouvir vozes que
vinham do elevador… Mas, voltando ao fio da meada, o sr.
Dias ficou alguns segundos a limpar a areia que trazia agarrada às pernas,
abriu a porta, depois de se ter abaixado para apanhar as chaves que deixara
cair e, quando ia a entrar, ouvi o estrondo lá em cima. Também ele o ouviu,
porque hesitou. Quando ia a fechar a porta, começaram os gritos. Abri a
porta. Vi o sr. Dias a tentar chamar o elevador e
logo a seguir arrancar escadas acima. Fui logo atrás dele. Quando lá cheguei
vi o sr. Alberto estendido de barriga para o ar e o
rosto caído, pendendo para as escadas, mesmo virado para mim e o sr. Dias dentro do elevador. A sr.
Arminda chegou muito depois. Sr.
Alberto, do 8.º esquerdo (Depois de acalmar em casa do sr.
Dias, para onde foi transportado assim que recuperou os sentidos) – Tinha
acabado de sair de casa. Reparei que eram 12 horas e 35 minutos. Como o
elevador estava ocupado, esperei um pouco, dando dois dedos de conversa a um
vendedor de enciclopédias que estava lá em cima. Segundo me revelou, estava à
espera do doutor para tentar vender-lhe uma, que era de tal modo especializada
em Medicina, que só tentava vendê-la a médicos. Como não encontrou ninguém em
casa, ia descer comigo. Pouco depois ouvi uma discussão cá para baixo. Ouvi
as vozes do doutor e do sr. Dias. Mais a deste
último… Ouvi o elevador parar. Em seguida, lembrei-me que não tinha ligado o
alarme, nem dado as duas voltas à chave, no momento
em que aparecia no mostrador o «A Chegar». Dirigi-me à
minha porta, abri-a, acendi a luz já que tinha todas as portas de acesso ao
corredor fechadas, fui ao contador, onde tenho instalado o sistema de alarme,
liguei-o, fiz o percurso inverso… Fiz tudo a correr, para não fazer esperar o
moço e paro não fazer soar o alarme, já que este é retardado de 6 segundos.
Mos aconteceu algo entre estas operações todas! Quando ouvi o elevador
chegar, estava eu a abrir a luz. Depois ouvi a porta exterior do elevador a
ser aberta depois a interior, com tanta força que bateu estrondosamente no
lado direito, onde recolhe. Ouvi depois a porta a encostar. Quando estava a
abrir a porta do contador apercebi-me de passos pelas escadas abaixo. Mas,
voltando à meada, fechei a porta de casa com duas voltas e dirigi-me ao elevador
julgando que o moço estava à minha espera. Abri a
porta exterior e… O vendedor não estava lá, mas… O doutor, sim. Só em corpo… Não pude conter-me e
desatei a gritar e a correr de um lado paro o outro… Depois, creio que
desmaiei. Assim que recuperei os sentidos, trouxeram-me para casa do sr. Dias. – Retirou do bolso um cigarro que acendeu com
um fósforo de cartão, minuciosamente arrancado de uma carteira de fósforos… –
O vendedor? Sim, descrevo-lhe esse assassino! Era um rapaz novo… De barba bem
cuidada. Vestia umas calças de ganga, bastante justas de cor azul e uma blusa
de manga curta, do mesmo tom. Calçava umas sandálias sem meias e… Uma meia dúzia de folhetos, muito coloridos, certamente
de apresentação da enciclopédia, metidos numa capa de plástico transparente. O
aparecimento desta personagem, mudava completamente
o rumo das investigações. Tive de interrogar novamente todas as pessoas. O
resultado foi totalmente negativo. A D. Arminda, foi
mesmo ao ponto de considerar pouco provável a entrada do vendedor no prédio,
embora tenha reconhecido que a porta esteve aberta durante muito tempo e como
ela ia regularmente ver o cozinhado… Pedi,
então, a todos se seriam capazes de reproduzir a cena, agindo da mesma maneira
como o haviam feito na altura própria. Todos concordaram, embora eu tenha
ficado convencido que apenas o faziam para serem agradáveis à Polícia. E, de
facto, nem eu tinha o direito a exigir-lhes isso, nem era muito agradável
andar a subir escadas com o calor de Agosto! Comecei
a computar os tempos. Em substituição da vítima, pus um dos meus assistentes,
muito parecido com ela. E
obtive: Elevador
com o meu assistente e o sr. Dias – 15 segundos. Elevador
só com o meu assistente – 9 segundos. Tempo
desde a paragem do elevador no 5.º e a abertura das portas pelo sr. Dias – 6 segundos. Tempo
entre o estrondo e o primeiro grito – 11 segundos. Movimentação
do sr. Dias: Fechar
a porta, depois do grito e correr até ao elevador – 4 segundos. Tempo
para carregar várias vezes no botão de chamada – 2 segundos. Ida
até ao começo das escadas de acesso ao 6.º – 2 segundos. Tempo
de subida dos 45 degraus, divididos em 9 lanços iguais – 67,5 segundos. Tempo
para percorrer os patamares do 6.º e 7.º andares – 10 segundos. Tempo
para os restantes intervalos entre lanços – 18 segundos. Movimentação
da D. Etelvina: Partiu
do 5.º andar com 2 segundos de atraso em relação ao sr.
Dias. Demorou
o mesmo tempo, com excepção do galgar dos degraus,
em que demorou 76 segundos. Movimentação
da D. Arminda: Demorou
cerca de 8 minutos a chegar ao local. Movimentação
do sr. Alberto: Tempo
de ida do local onde estava (junto ao elevador) até à porta de casa e abri-la
– 3 segundos. Tempo
para ir da porta de casa ao contador, ligar o alarme e regressar à porta
(incluindo o abrir e fechar da luz interior, já que o corredor estava às
escuras) – 8 segundos. Fechar
a porta e dar duas voltas à chave – 3 segundos. Ir
até ao elevador – 2 segundos. Abrir
a porta exterior do elevador – 1 segundo. Para
ir do elevador à porta do 8.º direito (onde desmaiou), pelo caminho directo – 3 segundos. Confesso
que fiquei um pouco baralhado. Mas todos os intervenientes afirmaram que estava
totalmente correcto e fora assim que tudo se
passara. Assim, tinha uma base para o trabalho… Mas…
Ainda tinha dois trunfos. Um, a favor; outro, contra! A favor era a
circunstância de o elevador não funcionar por acumulação de dados. Portanto,
se se marcasse o 3.º e o 5.º, o elevador iria só até ao que se marcasse
primeiro, ficando parado. Depois, tínhamos de voltar a marcar o andar que
quiséssemos, para voltar a andar. O contra, foi motivado pela incompleta
limpeza do elevador. A D. Arminda não havia limpo os botões,
pelo que havia uma amálgama de impressões digitais! Irreconhecíveis! Na
presença de todos os intervenientes (excepto do
vendedor, por motivos óbvios!), reunidos em caso do sr.
Dias li e reli os apontamentos que tomara, pensando obter dados novos. Ainda
perguntei à sr.ª D. Arminda quem tinha a chave da
porta da «casa das máquinas» (nome pelo qual eu chamava ao local onde estão
os mecanismos dos elevadores), que abria directamente
para o patamar do 8.º, no local de onde deveriam sair as escadas para o 9.º,
se a casa o tivesse, mas ela respondeu-me que era ela e não havia cópias. Baralhado,
concentrei-me, fiz contas, pensei, pensei, pensei e…
O «diabo» do vendedor era a chave do problema? Existiria? E no meio destes
pensamentos, destas contas, uma luz sorriu! Bem
fico-me por aqui! Lanço um desafio a quem ler este «Diário». 1 – Quem assassinou o Dr.
Cardoso? 2 – Porquê esse e não algum
dos restantes suspeitos? Antes de acabar estas páginas
dedicadas ao dia 16 de Agosto de 1978, vou responder ao desafio, para que
comparem as soluções: 1 – Quem assassinou o Dr. Cardoso foi… |
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© DANIEL FALCÃO |
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