Autor Data 15 de Maio de 1994 Secção Policiário [150] Competição Prova nº 3 Publicação Público |
NEM TUDO O QUE RELUZ É OIRO L. S. Dia de azáfama na Rua do
Comércio. O mercado municipal abrira há muito, as lojas laboravam em pleno, o
movimento de pessoas e veículos aí estava para quem, com tempo e reflexão, o
observasse na sua mais genuína essência. Todo esse fervor, ao longo de
décadas, tem sido permanente, embora com as “nuances” próprias de cada época.
Ainda há quem se lembre, por exemplo, de quando o transporte dos géneros se
fazia em carroças puxadas por alimárias ou mesmo carros de bois… Daí à
utilização de motores de combustão, várias gerações se sucederam. Não fazia dúvidas a
ninguém, hoje mais do que outrora, que esta artéria de Viseu, na sua hora de
mais turbulência, punha “a cabeça em água” aos legítimos guardiões da ordem
pública. Apenas com um sentido, a ligeireza dos condutores em subirem com um
par de rodas o passeio direito substituía a centenária incapacidade de uma
rua que, por ser pequena, nunca tivera a possibilidade de parquear seja quem
for. É então que os condutores mais ousados ou apressados se atrevem a deixar
as suas viaturas assim… Para que o guarda não estabeleça, de imediato, o
critério objectivo da multa, há que deixar as luzes intermitentes e, quantas
vezes, os vidros das pôr-tas escancarados. A demora, sugere-se, será breve… Nessa manhã, pelas 9h30,
algo correu mal a um desse condutores. Tendo deixado o seu automóvel
estacionado, teve a desagradável surpresa de verificar de que lhe haviam
feito uma visita ao “tablier”. O “amigo do alheio” não esteve com meias
medidas: da carteira de cabedal, onde guardava os seus documentos pessoais e
valores, colocada em contacto com o vidro da frente mesmo em direcção ao
limpa-pára-brisas da esquerda, cinco cheques foram levados com a maior
discrição. O condutor, Alfredo Palato,
não se cansava de invocar o seu próprio desleixo. O agente que o ouvia
atentamente mantinha uma atitude comedida. Para si, a história já não era
nova. – Ora, vamos lá a ver se
fixamos a nossa atenção nos objectos furtados! – recapitulava o agente Lauro
Simão. O senhor Alfredo, continuou, diz-me que o gatuno só levou cinco
cheques… Mais nada, tem a certeza? – Absoluta, sr. agente! O
tipo deve ter tido tempo, apesar de tudo, de verificar o que lhe interessava…
Três estavam endossados e os restantes traçados. Se pretende saber, penso que
sim, tenho aqui a relação dos clientes que mos entregaram e, inclusive, os
montantes e dependências bancárias a que os mesmos dizem respeito… – Óptimo! Isso vai ser uma
ajuda preciosa. Passe-me essa lista e vamos a ver o que se pode fazer já de
seguida – acrescentou Simão. De posse da descrição dos
cheques, o agente Simão estabeleceu um critério de actuação ao seu jeito. Ao
fim e ao cabo, era o que se impunha! Alguns telefonemas feitos, eram 10h30,
vieram confirmar a sua suspeita. O autor do furto ou alguém por ele tinha já
levantado três dos cheques. Os valores depositados, embora não totalizassem a
centena de contos, rondavam essa quantia. Havia que deitar a “luva” ao homem
o mais rápido possível. Neste caso, era mais que evidente que tempo era
dinheiro. A vítima foi à sua vida,
deixando forma directa de contacto, e o agente Simão rumou para as dependências
bancárias precisas, localizadas como de costume na mesma área central da
cidade. “Até nisso foi fácil para o gatuno tirar proveito do ‘gamanço’”, comentava
para si. De posse dos cheques,
verificou que todos remetiam, no verso, para uma e a mesma pessoa. Os caixas,
no acto de conferência e pagamento, deram o aval com uma rubrica. Ali viam
inscritos um só nome e um bilhete de identidade – Mário Monteiro Alves, nº 8431170,
Arquivo de Identificação de Lisboa, em 8/7/1988. “O indivíduo é muito ‘artolas’
ou, se for esperto, terá usado alguém com um BI diferente… Vamos ver!",
concluiu Lauro Simão nos juízos que vinha fazendo. Em face destes elementos,
recorreu aos ficheiros policiais e verificou existir ali um Mário Monteiro
Alves, “o Mãozinhas”, cujo BI e data correspondiam ao suspeito indicado. Com o seu colega Casario
Jacinto dirigiu-se a casa do “artista”, em Ranhados, vindo a encontrá-lo
deitado numa enxerga. – Sim senhor, bonito! –
exclamou o agente Simão para o colega que o precedia. São 12h20 e este
camarada ainda de “choco”. A mãe do suspeito, Adosinda
Alves, confrontada com a presença dos agentes, tomou uma postura que muito os
fez admirar. Farta de todo o género de tropelias do filho, que, com 25 anos,
se envolvera nos escuros meandros do consumo e tráfico de estupefacientes,
mostrou-se colaborante, prestando-se a indicar à polícia tudo o que fosse
necessário. Precisava, de uma vez por todas, de acabar com a inquietação que
se apoderam de toda a família. Trazido para a Judiciária,
procedeu-se a diversas diligências tendo em vista apurar responsabilidades do
suspeito perante o presente caso. Eis, caros amigos, um
desafio diferente. Não vos propomos a busca de contradições, mentiras ou simplesmente
uma reconstituição adaptada aos elementos do texto. Não, nada disso. Hoje
iremos proceder como se o leitor fosse realmente um dos investigadores.
Sabendo que, à partida, o comportamento de um suspeito de um acto criminoso
ou de mera delinquência se refugia geralmente negando ser o seu autor e
procurando por todas as formas afastar-se das responsabilidades, como agiria
você neste caso, para esclarecer toda a situação do envolvimento dês-te
indivíduo na história? A exigência da investigação
– necessária ao bom encaminhamento da actividade judiciária, perspetivando o
pressuposto de que uma boa justiça será melhor quando os agentes envolvidos
actuem correcta e empenhadamente – será você a impô-la. Será o leitor quem terá nas
mãos a árdua tarefa de definir todos os passos a executar, necessários para
transformar a negativa numa afirmação plena ou, de outra forma, provar por A+B
que aquele indivíduo, por exemplo, se refugia numa defesa que cai por terra
face à força dos factos por si (o detective) obtidos. Como tal, faz a prova
indirecta, que irá, depois, ser apreciada pelo juiz. Elabore um relatório com
tudo o que lhe pareça importante e não se esqueça de “tapar” qualquer
possível saída à defesa do individuo, permitindo também, com isso, ao juiz
que irá apreciar o caso a mesma segurança na certeza de que se está perante o
verdadeiro culpado do furto dos cheques, remetendo-o para a prisão, se for
caso disso. Vamos a ver do que é capaz… |
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© DANIEL FALCÃO |
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