Autor Data 3 de Julho de 1992 Secção Policiário [3] Publicação Público |
O VELHO NÃO FALA! Luís Pessoa João Carlos é
verdadeiramente um moiro de trabalho e, para ele, não há sábados, domingos ou
feriados. Dezasseis horas por dia no seu laboratório em Paris parecem dar-lhe
tudo o que deseja nesta vida. Ou melhor, quase tudo! É que todos os anos em
Agosto vem a Portugal, a uma pequena aldeia do Minho que nem no mapa vem e
goza o prazer do repouso em casa de um velho que não lhe é nada mas que o
aceita como amigo. Na realidade, é um mês silencioso, já que o anfitrião não
fala e praticamente não se move da cadeira de baloiço onde ondula a velhice. O inspector
Fidalgo não entendia aquele telegrama que lhe mandavam de Paris a anunciar um
relatório que seguiria no dia seguinte. O feitio curioso e ansioso do inspector quase não o deixavam esperar o relatório que, a
tempo e horas, fora depositado na sua secretária… Nele se lia que João Carlos
era acusado da morte de um seu colega de trabalho, com quem se não dava bem,
desde há muito, mas ninguém tinha podido relacioná-lo com o crime, não havia
testemunhas e, muito embora tudo fosse direitinho até ele, o tudo era muito
pouco, para não dizer nada … Havia relatórios de
balística, autópsia e muita coisa mais, mas o inspector
foi direitinho ao depoimento de João Carlos: – Não entendo, a minha vida
é trabalhar, trabalhar, trabalhar, passo mais de dezasseis horas a trabalhar
fechado no meu laboratório com outros colegas, sem tempo para nada, e agora
querem que eu diga que matei o Alain? Não é verdade. Não o matei! – Mas não veio ontem nem
anteontem trabalhar, porquê? – Essa agora… Fui a
Portugal, a uma aldeia do Minho, ver uma pessoa amiga que me disseram que
estava doente, mas não era verdade. Fui de carro e, apesar de estarmos no
Inverno, o tempo estava óptimo, com muito calor e
sol, e, quando vi que o meu amigo estava de boa saúde, deixei-me adormecer à
sombra das folhas verdes da parreira, onde nas férias me sentava a ler,
naquela frescura… – Quanto tempo lá ficou? – Tive que me vir logo
embora, porque a viagem é longa. Pouco deu para ver, mas o que interessava
era que o meu amigo estava bem. Nunca na minha vida tinha saído de Paris
nesta época do ano e até já estou arrependido, porque atrasei o meu trabalho,
mas… – E Alain? – Não tenho nada a ver com
isso. Não gramava o tipo, mas daí a matá-lo… Uma luzinha já bailava nos
olhos do inspector Fidalgo… Ele já tinha alguma
ideia: A – O João disse a verdade
e não teve nada a ver com a morte de Alain. B – O João mentiu porque
não podia vir a Portugal de carro sem ser abordado pela polícia e
identificado. C – O João mentiu porque,
no Inverno, não podia estar tanto calor para que se sentasse à sombra a
dormitar. D – O João mentiu porque
não podia adormecer debaixo daquela sombra. |
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© DANIEL FALCÃO |
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