Autor Data 4 de Julho de 1992 Secção Policiário [4] Publicação Público |
O ROUBO NA QUINTA DAS MARGARIDAS Luís Pessoa Havia festa na Aldeia
Branca e toda a gente das quintas vizinhas e mesmo de aldeias distantes
convergia para lá, como que atraídas por uma força invisível. Havia foguetes
no ar e cheiro da pólvora misturava-se aos dos dois bois que assavam rodando
sem parar, nos espetos. A algazarra era geral e os ranchos folclóricos
começavam a sua actuação. As febras e vinho tinto
completavam o cenário. Só para uma pessoa parecia
não haver festa. Era um homem baixote, gordo, com um bigode mal tratado, desfeiado por uns óculos desleixadamente tortos. Olhava e
voltava a olhar, numa atitude que não chamava as atenções porque tanto eram
os “turistas” que, mais um, ainda que esquisito, não chegava para atrair
olhares. De uma taberna suja e sombria saiu outro
homem, magro e alto, com uma bengala, que se aproximou do outro. Trocaram
algumas palavras e encaminharam-se para a saída da aldeia. – Dizes, então, que é por
aqui? – É verdade, inspector, foi o que disseram na taberna, mas também
disseram que não gostam nada dos que moram na Quinta das Margaridas. Dizem
que são malucos… O inspector
deu mais uma pancada descuidada nos óculos que lhe escorregavam pelo nariz
abatatado e, virando-se para o seu adjunto: – Bem, estou farto de
festas, onde é a Quinta? A Quinta das Margaridas era
atraente, brilhando aos raios de Sol daquela Primavera que se adivinhara.
Dois enormes cães saltaram, não se sabe de onde, e ladrando furiosamente
lançavam-se contra o portão. – Jesus, inspector, metem medo! – Bem vejo!... De dentro da casa saiu um
vulto pardacento, velho e esquisito que se dirigiu ao portão, perguntando: – Que querem? – Sou o inspector
Duas e este é o meu assistente, o agente Tristão… – Ah! Sim, esperem um
pouco, por favor! E dando uma voz de comando,
logo fez com que os cães entrassem numa cerca, que fechou cuidadosamente,
indo abrir, então, o portão que dava o único acesso à casa. – Desculpem a recepção, mas todo o cuidado é pouco… No interior da casa, um
tanto maltratada, o ambiente era de penumbra, em contraste com o brilho de
Sol que se vislumbrava pelas janelas entreabertas. De uma porta surgiu um
homem alto, de grande porte, que se apresentou: – Bom dia,
sou Ambrósio Fonseca e fui eu que os chamei porque me roubaram as jóias de família, de valor incalculável. – De onde desapareceram? – Daqui, deste cofre…
António, vê se fazem calar os cães que não se ouve
nada… – Sim, senhor… – respondeu
o criado. O cofre estava arrombado,
mas o proprietário apressou-se a esclarecer que o cofre estava assim, aberto,
porque há muito que a chave se perdera. – Compreende, apenas o
criado e eu cá vivemos e, de vez em quando o meu sobrinho, que, por acaso,
chegou hoje de madrugada para as festas… Ah! Finalmente temos sossego, ainda
bem que os cães se calaram… – Mas não ouviu nada de
suspeito durante a noite? – Não, foi uma noite muito
calma porque as pessoas da aldeia se deitaram bem cedo para a festa de hoje. O inspector
caminhava lentamente pelo soalho meio carcomido pelo tempo e ia começar a
falar quando os cães retomaram uma terrível algazarra, fazendo António
espreitar pela janela: – É o seu sobrinho, senhor! – Diz-lhe que pode entrar,
que os cães estão guardados. – Sim, senhor! O inspector
parou um pouco… – A que horas chegou o seu
sobrinho? – Logo depois do roubo. Eu
estava muito transtornado e ele ajudou-me a acalmar… – Tinha seguro das jóias? – Não, nunca achei
necessário… Está a ver, eu vivo na aldeia… O inspector
pensou um pouco, antes de dizer: – Bem, caro senhor
Ambrósio, não há outra entrada nesta casa e todas as janelas estavam bem
fechadas, não havendo marcas de arrombamento, pelo que me parece que a
solução do caso é óbvia… Quem roubou as jóias foi… – Quem roubou as jóias? – Porquê? Justifique a afirmação. |
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© DANIEL FALCÃO |
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