Autor Data 7 de Julho de 1992 Secção Policiário [7] Publicação Público |
O INSPECTOR FIDALGO PROCURA O CRIME Luís Pessoa O Lobão é um mentiroso de
todo o tamanho e ninguém lhe dá ouvidos, excepção
feita ao inspector Fidalgo. Com alguma paciência,
lá vai ouvindo as histórias do Lobão e, a pouco e pouco,
desmonta-as, acabando por lhe demonstrar que é mentiroso. Enfim, o inspector chama a cada sessão o seu exercício dedutivo. Naquele dia, como era mais
ou menos habitual, o Lobão entra pela sala, gritando e gesticulando como se
tivesse visto o diabo. Todos fugiram na sua frente e apenas o inspector o aguardou, serenamente. – O que temos hoje? – Inspector,
hoje é certo! Assisti a um crime e venho participá-lo… – Muito bem, vamos a isso! – Hoje de manhã, entrei no
comboio para Lisboa e, como sempre, sentei-me no último banco, virado para a
frente, do lado esquerdo e lá me aninhei para a minha soneca, com a cabeça
encostada ao vidro… Sabe que há obras na linha e, por isso, os comboios param
muitas vezes no seu percurso. Foi o que aconteceu hoje. Estava a dormitar
numa dessas paragens forçadas, num descampado desgraçado, quando um outro
comboio, que ia para lá, parou mesmo ao lado do nosso. Meio a dormir, meio
acordado, olhei para o outro comboio e vi um crime! – Que crime? – Ora, um gajo a matar uma gaja, dentro de um compartimento, ali
mesmo ao pé de mim, só com duas janelas pelo meio… – E como foi? – O gajo
pegou numa faca, grande como tudo, e espetou a mulher toda… Uma desgraça. – E tu, o que fizeste? – Eu? Nada! Encolhi-me todo
para o gajo não me ver, não fosse vir procurar-me se
pensasse que eu vi o crime dele. – Onde foi isso? Nalgum
desvio? – Não, não, como andam em
obras, os comboios abrandam quando se cruzam e, muitas vezes param, como
desta vez. – Sabes que ainda não temos
nenhuma queixa, ninguém deve ter encontrado corpo nenhum… – Isso não sei, mas que vi,
vi! O inspector
olhou o tecto… Como havia de desmontar esta
mentira? Ou teria falado verdade? Antes de investigar o que quer que fosse,
era melhor pensar um bocado, que o Lobão era muito falso… A – O Lobão mentiu porque
não podia ver o outro comboio parado, olhando pela janela do seu lado. B – O Lobão mentiu porque
se fosse verdade, àquela hora já toda a gente sabia. C – O Lobão mentiu porque,
àquela hora, as cortinas estão corridas e ele não podia ver nada no comboio
ao lado. D – O Lobão disse a
verdade, ou pelo menos contou uma história perfeita, que o inspector Fidalgo não consegue desmontar. |
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© DANIEL FALCÃO |
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