Autor Data 8 de Julho de 1992 Secção Policiário [8] Publicação Público |
OS VIZINHOS DO INSPECTOR FIDALGO Luís Pessoa Eram quase nove horas da
noite, quando a discussão começou, aumentando de tom com o passar do tempo,
fazendo o inspector Fidalgo intervir no sentido de
apaziguar os ânimos, antes que um momento de festa fosse estragado. Os vizinhos do inspector eram estrangeiros, oriundos de um país
qualquer, por cá vieram cair há uns anos e por cá ficaram. A sorte, ou o que quer que
fosse, deu-lhe dois filhos gémeos, separados por breves minutos, mas, ironia,
em dias diferentes daquele mês de Fevereiro chuvoso e frio que assolou a
cidade. E era hoje que festejavam os primeiros cem dias de vida, como dizia o
convite que amavelmente enviaram a algumas famílias mais próximas. Calhava
mal ao inspector, porque já sabia que tinha de
trabalhar até às tantas no dia seguinte: como em todos os dias 10 de cada
mês, os relatórios tinham de estar prontos e entregues. Mas, enfim, as
relações de boa vizinhança obrigavam a um sacrifício… O pior, porém, foi mesmo a
discussão. Copo puxa copo e, às duas por três, o pai dos bebés e um primo
teimavam respectivamente que estava tudo bem e tudo
mal. – Claro que nasceram em
dias diferentes, mas apenas com cinco minutos de diferença. Portanto,
festejamos hoje e prolongamos para depois da meia-noite e assim, já está!
Ficam os cem dias assinalados e festejamos para os dois… – Nada disso, estás a dizer
asneira, não há cem dias para ninguém. Nem contar sabes, e se soubesses não
andavas aqui a enganar as pessoas… Mais uns copos e voltavam
ao mesmo. O pai teimando que os cem dias estavam ali e o primo teimando que
não. E, no calor da discussão,
uma breve troca de murros teve o condão de fazer com que todos os convidados
se intrometessem. Afastaram os contentores e nomearam o inspector
Fidalgo árbitro da querela – uma questão para a qual os dois já não
apresentavam argumentos coerentes, pois o álcool já produzira os seus
efeitos. E três minutos antes da
meia-noite ecoou naquela noite do mês das flores um imenso viva pela saúde do
Pedro, repetindo-se o mesmo dois minutos depois da meia-noite, em honra da
Mafalda. Tudo acabou esquecido.
Menos para o espírito inquisitivo do inspector, que
se debatia com as hipóteses contraditórias… A – Realmente os dois bebés
faziam cem dias naquela noite, e o pai tinha toda a razão. B – Nenhum deles fazia cem
dias naquela noite e quem tinha razão era o primo. C – Só o Pedro fazia cem
dias. D – Só a Mafalda fazia cem
dias. |
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© DANIEL FALCÃO |
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