Autor Data 12 de Julho de 1992 Secção Policiário [12] Publicação Público |
O INSPECTOR FIDALGO EM PANTUFAS Luís Pessoa Não é fácil articular uma
família numerosa, principalmente quando o espaço não abunda. Naquela
quinta-feira, pela primeira vez em muito tempo, o inspector Fidalgo teve um
dia de folga, que resolveu passar com a família, o que foi saudado por todos. Entre a leitura da secção
policiária do PÚBLICO, que nunca dispensava, e algumas sonecas, mais ou menos
ruidosas, a manhã ia passando, vagarosa, até que, vindo não se sabe de onde,
o Francisco apareceu choramingando, porque o irmão mais velho lhe dera uma
palmada por ter estragado a aparelhagem de som portátil que, cuidadosa e
previdentemente, tinha escondido longe dos olhares cobiçosos e indiscretos
dos irmãos. Inútil tentar acalmá-lo,
tal era a convicção com que proclamava a sua inocência, a ponto de o próprio
inspector decidir apurar toda a verdade, a bem do equilíbrio familiar e,
vamos lá, do seu sossego. Do Frederico nada de
concessões. Todos os dias mudava o lugar onde escondia a aparelhagem e claro
que não ia dizer onde a deixara na véspera, porque ninguém tinha nada com
isso. A verdade é que o Francisco estava com ela na mão e partida. A Susana ignorava tudo e
dizia que, se quisesse uma aparelhagem daquelas, não teria optado pela
bicicleta quando fizera anos. Além do mais, sabia quase todos os esconderijos
do irmão, mas isso não lhe interessava nada. A Ana Teresa nem conhecia
os cantos ao quarto do irmão e, portanto, afirmou que não tinha visto a
aparelhagem nos últimos tempos, a não ser nas mãos do Francisco, mas como não
era da conta dela, nem sequer se incomodara em perguntar o que quer que
fosse. A Inês, gémea de Francisco,
logo atirou as culpas para cima do irmão, dizendo que só podia ter sido ele,
porque passava a vida a vasculhar nas coisas do Frederico e já se sabia que
tudo em que pegasse estava automaticamente partido ou estragado. Do Francisco só vinham
choros e ressentimentos pelas acusações, que ele só pegara naquilo porque
estava no chão, ali mesmo, no meio do corredor, porque nem que fosse buscar o
banco da cozinha conseguiria chegar à última prateleira da estante, onde o
Frederico guardara a aparelhagem. Nem numa folga o deixavam repousar e até em
casa havia casos por resolver, simples e sem sangue, e sorriu ao pensar que
ficaria giro um problema assim no PÚBLICO. E imaginou-se a colocar as
hipóteses: A – Foi a Inês, porque
estava a comprometer o irmão dizendo que ele estragava tudo. B – Foi a Susana, porque
tinha ciúmes por não ter uma aparelhagem assim, por ter optado pela
bicicleta, estando arrependida. C – Foi o Francisco,
porque, de outra forma, não podia saber onde o irmão escondera a aparelhagem. D – Foi a Ana Teresa,
porque afirmou ter visto a aparelhagem nas mãos do Francisco e não disse nada
a ninguém, para desviar as atenções. |
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© DANIEL FALCÃO |
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