Autor Data 26 de Setembro de 1993 Secção Policiário [117] Competição Prova nº 6 – Problema nº 3 Publicação Público |
O INSPECTOR FIDALGO E A HERANÇA DIFÍCIL Luís Pessoa O inspector
Fidalgo nem queria acreditar que tal fosse possível. Já vira muitas coisas e
pensava que nada mais o pudesse surpreender, mas a verdade é que quando o
agente Tinoco lhe entrou pela porta dentro, com o ar mais confuso da vida,
declarando que estava a ficar doido, teve de ficar mesmo confuso… O Carlos era um tipo alto e
bem constituído, com força para dar e vender, o Luís era o contrário, frágil
e baixote, parecendo incapaz de fazer mal a uma mosca. O caso era simples: a tia
de ambos, solteirona e rica como se não consegue imaginar, morrera na noite
anterior, depois de muito sofrimento causado por doença terrível. Ao longo
dos últimos tempos, toda a gente a ouvira dizer que dava a sua fortuna toda
em troco da sua morte. Queria dizer, quem a matasse, quem lhe aliviasse o
sofrimento era quem ela elegia como seu herdeiro total e universal! O Carlos negara e o Luís
também. Só que, naquela noite, alguma coisa de especial acontecera… A tia
fora mesmo assassinada, sem sombra de dúvida, e a casa não apresentava
qualquer sinal de invasão a partir do exterior, motivo pelo qual não restavam
alternativas: ou fora o Carlos ou fora o Luís! Ora, a tia detestava o
Carlos, achava-o um monstro insensível e não autorizava que entrasse no seu
quarto. O Luís, pelo contrário, podia entrar quando quisesse e tinha, até,
uma chave. Carlos afirmou, quando
interrogado: – Quero lá saber da velha!
Esse monstro dizia que eu é que era o monstro e nem me deixava entrar no
quarto… nunca lhe fiz qualquer mal, nem seria capaz disso, mas francamente,
quando ela disse que deixava a fortuna a quem a matasse, ainda pensei nisso. Mas
não fui eu. Nem podia ser. Ela fechava a porta à chave todas as noites e não
há sinais de arrombamento… Pela janela, nem o Tarzan
lá chegava, portanto… Como poderia ser eu? Além disso, nem sei se ela acabou
por fazer testamento a deixar o dinheiro a quem a matasse, não ia arriscar
assim… O Luís declarou: – Não tenho pena dela,
antes pelo contrário. Sofria a bom sofrer e por isso foi uma libertação.
Claro que era capaz de a matar, se tivesse coragem… Mas não tenho nem tive! E
tantas vezes que ela me pediu, me implorou… A última vez que eu a vi viva foi
ontem à noite, pelas onze e meia, quando lhe fui dar os medicamentos… E como
ela me implorou que pusesse fim ao seu martírio… Dei-lhe a última cápsula
daquele medicamento azul e fui-me deitar. Não sei de mais nada, porque tomei
um comprimido para dormir, mais ou menos à uma da manhã, o que fiz
profundamente até ser dia. A história não fora bem
assim. A velha morrera de excesso de comprimidos azuis. A caixa, de 20
comprimidos, fora comprada na véspera e a dosagem era de apenas quatro por
dia No estômago da velha havia mais de 15 comprimidos, uma dose capaz de
matar qualquer um e a hora da sua tomada teria sido a meia-noite, mais
minuto, menos minuto. Por todo o lado, apenas impressões digitais do Luís…
Tudo parecia claro, porque o testamento da velha dizia, com toda a clareza,
que quem herdava toda a fortuna era quem fosse capaz de a aliviar de todo o
seu sofrimento, pondo termo à sua vida… O inspector
Fidalgo estava pensativo porque já sabia quem ia herdar. A – Carlos; B – Luís; C – Ambos; D – Nenhum. |
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© DANIEL FALCÃO |
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