Autor

Lumago Ampe

 

Data

Abril de 1977

 

Secção

Enigma Policiário [13]

 

Competição

Volta a Portugal em Problemas Policiais

10ª Etapa

(Lisboa – Santarém)

 

Publicação

Passatempo [35]

 

 

 

 

 

 

 

MORTE NO QUARTO GUARDADO

Lumago Ampe

 

O Sr. Barnabé é um «Inspde uma companhia de detectives particulares, recém formada em Algés. As suas tarefas e funções variam conforme o cliente. Desta vez, vamos encontrá-lo numa casa para demolição, onde habita uma velha carcomida pelo tempo e pelo dinheiro. Meteu-se-lhe na cabeça que há alguém que atenta contra a sua vida e, daí ter contratado os serviços de protecção do «Insp.» Barnabé. A casa, de três andares, com as costas voltadas ao mar, estava desabitada nos 1.° e 2.° andares. Os restantes moradores aceitaram as indemnizações propostas pelo senhorio e saíram. Só esta velha… ainda resistia, não se sabia bem porquê.

O contrato feito com o «Inspera por 15 dias. Se nada se passasse, ele arrecadava X, caso contrário… nada recebia. Talvez por causa disso, a guarda era bastante esmerada. Ora vejam só:

Junto da porta do quarto da velha, sempre encerrada à chave por fora quando ela lá se encontrava, estava estacionado um «agente», permanentemente. Quando a velha se ausentava do quarto, o que era raro, o «agente» penetrava para o quarto, impedindo que alguém se escondesse no interior do mesmo, enquanto que o «Inspacompanhava a velha pela casa. As chaves do quarto estavam sempre em poder do «Insp.», que franqueava a porta a pedido da velha.

As traseiras da casa, davam para o que fora, em tempos, um jardim. Hoje não passava de um amontoado de terra. Uma terra muito permeável, que se tornava, quando molhada, pegajosa e escura. Se se calcasse quando molhada, tornava-se impermeável. Mais longe, para lá de um muro com 6 metros de altura, existia um carreirinho por onde circulavam as pessoas que moravam num bairro de barracas, que descia a encosta, em direcção ao mar, combatente eterno da estreita faixa de areia. De um e de outro lado do jardim, havia outros dois muros, iguais, que o separavam de propriedades iguais a esta e nas mesmas condições. As três casas eram os únicos componentes do quarteirão. Tudo isto era visível da única janela do quarto da velha, excepto o carreiro, que devido à altura do muro não se vislumbrava.

O quarto era pequeno. Ao entrar a porta de acesso, estreita, via-se logo a janela em frente. Do lado direito, um guarda-vestidos, toscamente trabalhado, estendia-se da ombreira da porta até à parede. Paralelamente a este, estendia-se a cama, de castanho, leve mas sóbria, do mesmo tamanho (em comprimento) do guarda-vestidos e cujos pés ficavam no enfiamento do meio da janela. Do lado esquerdo, havia uma cadeira, que se notava ter sido restaurada recentemente. Ao lado desta, aos pés da cama, uma bacia aparava as pingas de água que penetravam pela clarabóia, ou melhor, uma janela suspensa do tecto, com cerca de meio metro de lado e forma quadrada. Logo a seguir, um fogão de sala, cuidadosamente limpo. Via-se que não funcionava havia muito. Entre a parede da janela e a cama, ficava um carreirito tão pequeno, que dificilmente permitia o deslocamento de uma pessoa, ainda que de lado, se quisesse ir até à mesa de cabeceira, muito estreita e comprida. A sua única gaveta, já não possuía puxador.

Mas, voltando à guarda, era ainda mais completa! Do lado de lá do muro, no carreiro, estava estacionado, permanentemente, um carro, com dois «agentes», que vislumbravam toda a traseira do quarteirão. Na parte da frente, um «agente» colocado junto do enorme vidro de um «Café» via toda a frontaria dos três casarões.

 

Eram 15 horas quando soou um grito, vindo do quarto da velha. O «Insp.», que lia o jornal da manhã, na sala da frente, correu para lá e… depois de abrir a porta deu com uma velha pequena e magra, saltitando, gesticulando, como se de um macaco se tratasse. Afirmava ter visto um rosto a espiá-la da clarabóia. Deixando o seu «agente» com ela, correu para a porta de casa, abriu-a e galgou os três lanços de escadas que o separavam do terraço para onde dava a clarabóia. Nada viu. Foi até a clarabóia, que precedia a chaminé e espreitou para o quarto. Encolheu os ombros e dirigiu-se para o murinho que limitava o terraço, com cerca de 1,5 m de altura e olhou o mar. Dali podia ver o tejadilho do carro onde estavam os seus rapazes. Uma rabanada de vento atirou-lhe com o chapéu para o lado das escadas. Correu no seu encalço e deteve-o quando se preparava para descer as escadas. Foi novamente junto da clarabóia. Notou que o cimento estava todo gretado em volta da armação. Tentou abri-la, o que só conseguiu após um pouco mais de força. Ficou com tudo na mão, armação e tudo! Como não havia de entrar água? Voltou a descer à casa e telefonou para a agência, pedindo outro agente. Chegado este, colocou-o ao fundo das escadas de acesso ao terraço. Evidentemente que tinha tapado outra vez a clarabóia. Deu dois comprimidos à velha, para dormir, e foi-se sentar na sala, novamente, após ter fechado a porta do quarto por fora.

 

A chuva estava forte e o vento atirava-se para a montra do «Café». O «Inspdormitava no sofá da sala, quando… um tiro soou forte. Estremunhado correu à janela, julgando tratar-se de um choque de automóveis. Já não chovia. Naquele momento, entrou na sala o «agente», gritando que fora um tiro e no quarto da velha. Ambos correram à porta e, enquanto o «Inspprocurava as chaves, o «agente» chamava a velha, esperando uma resposta impossível. Desnorteado, o «Inspcorreu à sala, onde deixara as chaves no bolso do casaco, que entretanto tirara para passar pelas brasas. Espreitou pela janela, para ver se o seu «agente» estava atento. Céus!! As chaves não estavam no bolso do casaco! Lembrou-se, então, que tinha ido à casa de banho. Passados segundos, preciosos sem dúvida, lá deu a volta à chave e… a porta não se abriu! Algo a trancava por dentro! Ambos meteram ombros à porta e, depois de três tentativas, esta escancarou-se! Alguém pusera a cadeira contra o puxador da porta, aproveitando um frestado soalho.

Olhou e… a velha estava deitada de barriga para baixo, com os pés para a cabeceira, segurando na mão uma faca de cozinha. A camisa de dormir estava tinta de sangue, por alturas da omoplata esquerda. A janela estava arrombada. Só então o «Inspassociou o barulho que ouvira após o tiro. Atada ao pé da cama, do lado da janela, estava um pedaço de corda. Tinha sido cortada. Espreitou pela janela e viu outro pedaço de corda no chão de terra. Por baixo da janela, havia uma terceira corda, esta suspensa de uma cabeça de granito, que saía de um pescoço esganiçado, da parede, e que ia até alturas do 2.° andar, Começou a ordenar as ideias: «O assassino entrou por aqui. Depois de subir ao 2.° andar, laçou o pescoço de granito, trepou pela corda, pós os pés na figura, empurrou a janela, arrombando-a, matou a velha, colocou a cadeira a trancar a porta, laçou o pé da cama, começou a descer por essa corda, mas… a velha não estava morta e cortou-lha, abreviando-lhe a fuga».

Esticou-se da janela e começou a puxar a corda, mas, então, lembrou-se que nada tinha já a ver com o caso e largou-a. Puxou de um cigarro sem filtro, como era hábito, e acendeu-o. Mandou o «agente» que ficava nas escadas chamar os restantes e telefonou à Polícia Judiciária.

 

Cerca de vinte minutos depois, já o Insp. Fidalgo, da P. J., tinha ouvido tudo o que o «seu colega particular» havia percebido e feito. Fê-lo prometer que às 18 horas passaria pela Judiciária. Posto isto, começou a verificar tudo o que o Barnabé lhe havia dito. No quarto, onde realmente tudo estava como ele descrevera, ajoelhou-se aos pés da cama, reparando que certamente tinha havido luta, já que estes estavam deslocados para a direita. Pegou no pedaço de corda que ondeava em direcção à janela, parando próximo da parede. Para não destruir possíveis provas, pegou-lhe com uma ponta do papel que tinha a mão, puxando-o para a janela. Reparou que a velha podia realmente ter cortado a corda, já que ficava ao seu alcance. Depois das inevitáveis fotografias, o médico legista deu por terminado o seu trabalho no local. Adiantou apenas que o tiro fora dado de frente e o projéctil tinha saído, isso sim, pelas costas. E lá estava, de facto, o buraco nos lençois e nos cobertores. O Insp. desceu, então, as escadas e foi ao jardim. Circundou a casa por um carreirito de cimento rente às paredes, até debaixo da janela. Notou a corda que descia do «mamarracho» até ao 2.° andar. Olhou em volta. Dois tipos de pegadas, ou melhor, dois tipos de marcas deixadas por saltos de sapatos, já que o resto estava revolvido. A terra devia ter formado uma sola dupla e evitado que houvesse pegadas completas. Notou que eram da mesma pessoa. Vinham do lado direito e iam para o lado esquerdo. Isto é, vinham e iam para as casas limítrofes. Depois de subir aos dois muros laterais, viu que atravessavam os jardins vizinhos de lado a lado e desapareciam nos muros que limitavam lateralmente o quarteirão. Começou a rememorar tudo: «Entrou pelo lado direito, depois foi…». Aqui o Inspector soltou uma risadinha. Foi por ver umas pocinhas de água lamacenta nas marcas que iam para a esquerda. Lembrou-se do seu «puto» quando comia algo que não devia! Por um momento, continuou a sorrir; depois o seu rosto fechou-se e dirigiu-se ao terraço. Tirou o chapéu quando uma rabanada de vento já se preparava para lho levar escadas abaixo. Lá estava a clarabóia. Logo a seguir, a chaminé. Ao lado desta, um telhadinho, em forma de V, com uma armação metálica. Era, certamente, a tampa da chaminé. Espreitou por ela e viu que tinha cerca de 0,5 m de lado, sendo um quadrado perfeito. A partir do 1,5 m de altura, ramificava-se em dois tubos quadrados, indo um para o quarto da velha e o outro para os andares de baixo. Teriam cerca de …15 cm. de lado, cada um deles.

Foi até ao parapeito, ao muro que circundava o terraço. Lá estava o mar! Ele já sabia como agira o assassino! E, quando o apanhasse… (arreganhou os dentes). Virou as costas ao mar. Tinha de ir fazer o relatório das suas deduções.

 

É o que lhe pedimos também a si, leitor: um relatório completo das suas deduções, pormenorizando especialmente a forma como acha que o crime foi cometido.

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO