Autor

Magno

 

Data

28 de Março de 1993

 

Secção

Policiário [91]

 

Competição

Supertorneio Policiário 1993

Prova nº 2

 

Publicação

Público

 

 

O INSP. ALTURAS E A MORTE DO MAGNATA!...

Magno

 

O Sr. José Travassos, grande proprietário e possuidor de avultados meios de fortuna, viúvo, de 61 anos, quase cego e sem descendentes, vivia na sua grande vivenda acompanhado de três empregadas: D. Maria, de 38 anos, que já era governanta da casa há cinco anos, pouco antes da morte da esposa do patrão, austera e antipática; Beatriz, de 35 anos, cozinheira ao serviço há seis anos, faladora mas sempre de mau humor; e Judite, de 29, criada de quartos, admitida ao serviço há meses, mas que, apesar da sua jovialidade, não gozava de grandes amizades.

Mesmo assim, o ambiente era razoavelmente respirável, pois em devido tempo o advogado do patrão, o dr. Moisés, havia informado o pessoal de que, quando o sr. Travassos falecesse, cada uma herdaria a décima parte da sua fabulosa fortuna – o que lhes proporcionaria uma choruda conta bancária –, sendo o restante herdado por um amigo íntimo que só o sr. Travassos conhecia e cujo nome constava do testamento. Para o pessoal, este último pormenor desagradava-lhe, pois sabiam das tendências pouco ortodoxas do homem, mas de qualquer forma o que iriam herdar um dia chegava e sobrava para terem uma vida bem regalada.

Sucedeu, porém, que, numa bela manhã do passado mês de Fevereiro, a governanta comunicou ao médico particular do sr. Travassos que o patrão amanhecera morto nos seus aposentos. De imediato, o prof. Antunes deslocou-se à residência do seu velho amigo, tendo pessoalmente confirmado a sua morte, mas, perante a cor e manchas da sua pele, suspeitou logo de envenenamento. Em face de tal hipótese, telefonou do quarto do defunto para o seu amigo inspector Alturas, que passada meia hora entrava na residência, acompanhado pelo médico legista, dr. Baixinho.

A brincar, de mão em mão, com o chaveiro do carro – como sucedia sempre nas ocasiões mais complicadas –, o inspector observava atentamente as janelas do quarto do magnata, olhava o corpo da vítima, que estava a ser observada pelo dr. Baixinho, o chão e os móveis, quando o médico legista lhe segredou que a morte tinha ocorrido cerca da meia-noite e, pela experiência adquirida ao longo de tantos anos nesta área, a sua causa tinha sido envenenamento. Deixando o companheiro no seu trabalho e como não vislumbrasse mais nada de suspeito, o inspector Alturas abandonou o quarto e dirigiu-se para o “hall”, pedindo à governanta que reunisse o pessoal numa das salas da casa, não antes de levantar o chaveiro que, casualmente, havia caído ao chão.

D. Maria chamou Beatriz e Judite e todos se encaminharam para a Sala Verde, decorada com mobílias de castanho, cujas cadeiras forradas a palhinha estavam distanciadas umas das outras, intercalando com móveis de estilo requintado. A pedido do inspector, elas sentaram-se com compostura. Beatriz era baixa e meia anafada e, além de uma touca, vestia um grande avental de cores bizarras. Alturas aproximou-se dela e pediu-lhe que relatasse o que tinha feito na noite anterior.

– Olhe, sr. inspector, preparei o jantar do senhor, um caldo de galinha, torradas e chá, pois o sr. Travassos andava a comer pouco – começou a cozinheira, acrescentando – Depois, a D. Maria levou a bandeja com a comida para o senhor. Como sempre, pus pouco sal, por causa da hipertensão.

– Claro! – disse o inspector, inclinando-se para pegar nas chaves que tinham caído no colo da cozinheira.

– E que mais fez? – volveu o inspector.

Oh!, depois foi o nosso jantar, ligeiramente suculento. Comemos mesmo na cozinha e, depois de arrumar tudo, fui deitar-me – acrescentou Beatriz.

– Mas não viu nada, nem um gesto que lhe despertasse a atenção? – insistiu Alturas.

– Não, não vi nada de anormal! – arrematou a cozinheira.

O inspector estava habituado a lidar com casos como este. Já lhe tinham passado muitos pelas mãos. Mas continuava pensativo, mexia nas chaves, fixava os quadros da sala (estava ali uma fortuna!), enquanto dava uma volta sobre si mesmo e se distanciava Olhou para Judite. Era alta, elegante e até bonita, com aquela saia larga axadrezada e um corpete bem feito. Calmamente dela se aproximou.

– E você, o que foi que fez ontem à noite? – inquiriu.

– Estava no meu quarto – começou por afirmar a criada –, mas por volta das 20h fui ao “hall”, onde a D. Maria me entregou a bandeja do jantar, para servir o sr. Travassos. Aliás, como é habitual.

Atento a estas declarações, o inspector curvou-se e levantou as chaves que voltaram a cair ao chão depois de bater no meio das pernas de Judite.

– Notou alguma diferença no seu patrão? – perguntou.

– Talvez, sr. inspector – acrescentou a rapariga –, parecia mais debilitado!

– E falou consigo? – persistiu Alturas.

– Pouco… só lhe dei o jantar na boca e vim-me embora A seguir fui jantar e regressei ao meu quarto.

O inspector Alturas estava um pouco impaciente e insatisfeito. Deu uma volta em torno da mesa redonda que ocupava aquele recanto da sala, tilintou as chaves em atitude pouco conexa com a sua maneira de estar e olhou, de repente, para a governanta. Era uma mulher interessante, apesar da sua sisudez. O casaco curto azul-marinho caía-lhe lindamente em combinação com a saia “évasé” de cor grená. Sempre gostou de apreciar pessoas bem vestidas. Instantaneamente, deu dois passos e já estava junto da governanta.

– D. Maria, a senhora pode também explicar-me o que fez ontem à noite? – interpelou.

– Como é hábito – disse a governanta com ar de enfado –, depois de verificar se tudo estava em ordem, fui à cozinha ver se a Beatriz já tinha o jantar do sr. Travassos em condições de o servir. Como ela é cuidadosa, nem o provei. Saí da cozinha, atravessei as duas galerias até ao “hall”. Aí, entreguei a bandeja à Judite, que acabava de chegar e levou-a aos aposentos do sr. Travassos.

– D. Maria, é possível alguém ter entrado nesta casa na noite passada? – indagou o inspector, enquanto levantava do seu regaço as chaves que lhe voltaram a cair das mãos.

– Não, sr. inspector. Como sabe, o sr. Travassos era pessoa muito abastada, com um valioso recheio cá em casa, e há muito que temos um sistema de segurança que impossibilita alguém de assaltá-la – rematou a governanta.

O inspector voltou-se repentinamente e circundou várias vezes a mesa, pensando nas declarações que acabara de ouvir. Congeminava intimamente. Subitamente parou. O ar impaciente desapareceu e, aliviado, guardou as chaves. Acabava de suspeitar de alguém. Quem e porquê?

 

SOLUÇÃO

© DANIEL FALCÃO