Autor Data 4 de Novembro de 1994 Secção O Detective
- Zona A-Team [223] Publicação Jornal de Almada |
DOIS DESLIZES E UM MORTO Magno Abril de 1993 O
inspector acabava de entrar no seu gabinete, quando
o telefone tocou. Era o subinspector Joel Magro. –
João, fui informado agora mesmo que apareceu morto o
Isaías Thadeu, aquele tipo que empresta dinheiro a
juros altíssimos! –
Ó pá, hoje é o 1º de Abril! Não será uma peta? Ainda ontem vi esse franzino,
quando ia para casa assistir ao Suiça-Portugal na
TV… –
Não, não! Foi mesmo a governanta que me comunicou o caso. A mulher está desesperada,
como é natural – insistiu o adjunto. –
Bem nesse caso, diz ao dr. Baixinho para se
encontrar comigo no carro. Vamos já para lá! – aquiesceu
João Alturas, para descanso do colega. Isaías
Thadeu residia há anos numa boa vivenda do Restelo,
em Lisboa, acompanhado de Raquel, sua governanta de sempre. Eram 10 horas da
manhã quando chegaram ao local. Como sempre, as ruas com pouco movimento e as
residências armadas de alarmes. D. Raquel recebeu-os e prontamente conduziu-os
ao gabinete do patrão. Enquanto
o médico legista examinava o corpo frio do usurário, o inspector,
atento, observara a disposição da sala, que lhe parecia quase normal, notando
à primeira vista que a cadeira da secretária estava virada para o lado onde jazia
o corpo de Isaías e um reposteiro encobria um cofre cuja porta estava mal
fechada. Na alcatifa, nem pinga de sangue. Mirou, depois, a secretária, onde
junto ao telefone se acumulavam algumas revistas, papéis, e três cartas,
cujos sobrescritos estavam abertos na parte superior. Por curiosidade,
observou-os. Os remetentes eram diferentes, mas o destinatário era o mesmo:
Isaías Thadeu. Pegou num, com cuidado, era «correio
azul» e com uma pinça retirou a folha que leu de relance. Era datada de oito
dias atrás e remetida por um tal Manuel Serafim, de Almada, que lamentava a
ameaça de Isaías, suplicando-lhe que esperasse mais quinze dias, pois
aguardava o pagamento de uma transacção, liquidando
nessa altura o empréstimo, acrescido dos habituais 30% de juros. Distraidamente,
segurou no segundo envelope com o selo mecânico de 40$00, donde tirou uma
folha branca, datada de 10 dias antes e enviada por João Lopes, de Sintra, em
que agradecia ao velho Isaías o facto de não accionar
judicialmente o pagamento da letra que garantia um empréstimo avultado,
referindo que no prazo de um mês satisfaria o compromisso, nas condições
estabelecidas. Entretanto,
o dr. Baixinho, vindo do lado oposto da secretária,
confirmou que Isaías Thadeu tinha sido morto por estrangulamento,
conforme de início suspeitara. O inspector acenou
com a cabeça, dirigindo-se, depois, à janela, onde verificou que estava
devidamente fechada e sem indícios de abertura forçada. Antes de abandonar o
escritório, ainda deu uma olhadela ao outro envelope. Era remetido por João Santos,
de Loures. Tinha um selo verde de taxa única e no seu conteúdo expressava a
sua gratidão pela amabilidade do empréstimo que acabara de liquidar, cuja
atenção lhe tinha possibilitado ultrapassar uma situação difícil. Reparou na
data – havia também dez dias – e de seguida, acompanhado pelo dr. Baixinho, passou ao átrio da casa, onde encontrou a
governanta ainda ansiosa. –
D. Raquel – começou João Alturas – o sr. Isaías
recebia amigos com frequência? –
Não, muito raramente. Há imenso tempo que o patrão não recebe alguém. Não é
muito dado a convívios. É muito reservado! Só ontem à noite esteve cá um
senhor, que nem o vi mas, pelo seu tom de voz, embora baixo, apercebi-me
disso. –
E que fez rio, sabe por acaso? – inquiriu o Inspector. –
Como quer que saiba? Só o patrão conhecia as visitas, discretamente as recebia
e despachava. Nunca conheci os seus amigos! – desabafou
a governanta. –
Recorda-se de ouvir algum barulho especial ontem à noite? – insistiu. –
Não, nada! Deitei-me logo a seguir, pois estava cansada e ainda por cima
tenho o sono pesado. Trabalho muito e levanto-me muito cedo, sabe? – frisou a velha senhora. –
Outra coisa que gostaria de saber: o sr. Isaías recebia
muita correspondência? –
Somente algumas revistas e de quando em vez uma
carta… Ah, a propósito, na sexta-feira passada o carteiro entregou-me duas
cartas, o que é raro! – observou a mulher. –
Só duas? – questionou Alturas, perplexo. –
Sim, sr. inspector,
lembro-me bem. Eu própria as recebi em mão, ao fim da manhã. Ainda queria
mais? – arrematou com os olhos arregalados. –
Está bem, deixe lá! – disse meio convicto, para
satisfação da governanta. – Agora, doutor, voltemos ao
escritório, pois há qualquer coisa que não bate certo! Encostado
à secretária, Alturas examinou – qual mocho – as três cartas e reparou,
então, que só duas dela tinham a franquia inutilizada pelos Correios. Depois,
entreabriu a porta do cofre, concentrando a sua atenção num pequeno maço
desordenado de letras de câmbio. De entre elas encontrou as aceites por
Manuel Serafim e João Lopes. Comparou as assinaturas com as das cartas:
condiziam. Ainda no cofre, encontrou ao lado um livro pequenino. Expectante,
abriu-o e percorrendo as suas páginas avidamente descobriu que os três
remetentes constavam duma lista onde todos eram devedores, com excepção de outros quatro, à frente dos quais se lia «Recebido»
e cuja última data assinalada era 31/3/93. De repente, aflorou-se-lhe um leve
sorriso e dirigindo-se ao colega disse: –
Pois é!… Bem que suspeitei, mas só me lembrei há instantes… Deslizes!… Vou
mandar retirar o corpo… Quem
é o suspeito e porquê? |
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© DANIEL FALCÃO |
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